O Brasil de costas para a América do Sul

Se perguntarmos para qualquer brasileiro que seja torcedor de um clube da série A ou apenas apaixonado por futebol: "Qual o torneio mais importante do continente?" ou "qual torneio você queria muito ver seu time ganhando?", é quase certo que escutaríamos "Libertadores" [da América] como resposta.

Por Felipe Bianchi e Thiago Cassis*

Torcida do Atlético de Medelín - Divulgação

Torcedores de equipes que já disputaram a taça continental com certeza se lembram de grandes embates envolvendo seus clubes de coração. Tristes derrotas ou triunfos históricos.

Então porque a Rede Globo nunca transmite a final do torneio quando não tem um brasileiro? Não exibe nem as semifinais quando está se decidindo o adversário de um brasileiro na final. Mas a final da Champions League, ou Copa dos Campeões como chamava até algum tempo atrás, sempre esteve presente na "telinha" da emissora carioca.

Alguns podem dizer que o contrato com os europeus obriga a transmissão. Então aí o erro também seria da Conmebol que não estaria sabendo vender seu maior "produto", a Libertadores da América.

Outra argumentação poderia apontar para o fato de que o Ibope para uma final "improvável" como a desse ano, Atlético Nacional (Colômbia) x Independente Del Vale (Equador) seria muito baixo em comparação com o clássico de Madrid, Real x Atlético, partida que definiu o campeão europeu desse ano. Para esses podemos dizer que se não existir a cultura de mostrar a Libertadores, nunca será formado um público para esse torneio. Além disso o Ibope não pode ser o único critério de uma concessão pública. Valores como a integração continental devem ser colocados na mesa. E é certo que algo assim só viria por meio de uma espécie de regulação, nunca por vontade própria de uma empresa que só visa o lucro, e não podemos depender de uma "visão diferente" dentro capitalismo para que aprofundemos os laços culturais com os outros países do continente através também do futebol.

Mesmo se a final da Libertadores fosse River Plate x Peñarol, dois times de maior tradição, não veríamos na TV aberta do Brasil.

Por último, o argumento de que grandes craques, inclusive sul-americanos estão no futebol europeu e de que por isso seria melhor assistir aos jogos do velho continente também não pode ser justificativa, pois nos tempos atuais do futebol, maior tempo de exposição na TV significa mais dinheiro para os clubes, sendo assim, apenas com mais transmissões os clubes sul-americanos se estruturariam melhor para mantermos nossos craques por aqui. O público brasileiro não pode ser excluído das decisões do torneio mais importante de nosso continente quando um clube do país não estiver na final.

O futebol enlatado

Gosto é gosto, apesar de podermos discuti-lo. Mas para além das preferências de cada um sobre o espetáculo vistoso da finalíssima europeia ou os duelos rústicos e atávicos do certame sulamericano, a forma como a Globo trata o futebol é o que gera indignação no torcedor.


Alto alcance da publicação da página "Jogo 10 da noite, NÃO", feita na noite em que a Globo tirou a final da Libertadores dos brasileiros, demonstra a insatisfação dos torcedores do Brasil


Em São Paulo, por exemplo, além de sequer noticiar o que ocorria na decisão da Libertadores, a Globo optou por passar um filme hollywoodyano ao invés do confronto entre Gama e Santos, em Brasília, pela Copa do Brasil. Seria o futebol apenas um produto que compete, por exemplo, com o cinema comercial?

A resposta, para a emissora que monopoliza os direitos de transmissão do futebol nacional, é sim. No caso da Libertadores, é verdade, esses direitos pertencem à Fox Sports, que os cedem mediante negociação. Mas a Globo também não detém os direitos da Champions League, e transmite a partir da fase que a interessa.

Claro que na visão de mercado é muito mais interessante mostrar craques do quilate de Cristiano Ronaldo, Neymar, Messi e Gareth Bale desfilando suas imagens multimilionárias pelos gramados perfeitos do velho continente. Mas é bom lembrar: a Globo o faz utilizando uma concessão pública. Sem contrapartida alguma, a emissora dá mostras cada vez mais sólidas de que o futebol, mais um produto em sua prateleira, só lhe serve se e quando for conveniente. Aos torcedores e apaixonados, resta a TV paga.