Guadalupe Carniel: Existe rivalidade Brasil x Argentina?

“O espírito do Olimpismo toma conta do Rio”. Na realidade, não muito. Na última segunda-feira, 8 de agosto, durante a partida de tênis entre o argentino Juan Martín Del Potro e o português João Sousa não foi bem o que aconteceu. A partida rolava, mas dois torcedores foram expulsos após brigarem.

Por Guadalupe Carniel*

Bandeiras do Brasil e da Argentina

Durante toda a partida, a torcida brasileira vaiava as jogadas de Del Potro e tentavam abafar a torcida. Um brasileiro começou a empurrar um argentino que começou a se irritar ao ponto de dar um soco no brasileiro. A briga rolou, os jogadores pararam a partida até que ambos torcedores foram retirados.

Além desse caso, numa partida entre Argentina e Argélia a torcida brasileira fazia questão de cantar músicas que criticavam Maradona. As vaias são constantes para os argentinos em todas as modalidades, mesmo que não tenham brasileiros competindo.

Mas de onde vem esse ódio todo aos argentinos? A rivalidade argentina sempre foi com três seleções: Uruguai, Chile e claro, Inglaterra, que surgiu desde quando o futebol se instalou na região do Plata.

Brasil e Argentina se assemelham e se distanciam na mesma proporção. Na questão histórica, foram colônia de exploração, uma portuguesa e outra espanhola, mas as semelhanças param por aí. A Independência da Argentina foi em 9 de julho de 1816, seguia um caminho iluminista e era tomada por um sentimento de nacionalismo; ao proclamá-la decide se aproximar da Inglaterra para fazer alianças econômicas. Assim como o futebol, a independência brasileira foi mais tarde e o país se aproximou da ex-colônia britânica, os Estados Unidos. A partir daí os países tomam rumos diferentes na organização política, econômica e educacional.

Quando o futebol surgiu na Argentina, assim como no Brasil foi de origem inglesa. Mas ele tem duas datas de “fundação”: uma britânica e outra argentina. Os ingleses praticavam o futebol quatro anos após a criação das regras de 1863. Criaram o campeonato argentino, mas com clubes de britânicos, onde se falava apenas inglês, formados principalmente por escolas (os filhos dos ingleses estudavam em escolas anglicanas e não se misturavam com os argentinos, não criam laços com a terra e não são considerados criollos, são considerados ingleses). Os argentinos acreditavam que aquilo era esporte de louco, mas principalmente as crianças passaram a praticá-lo nos famosos potreros (regiões periféricas) e nos baldíos (espaço entre prédios em Buenos Aires). Fundam-se os clubes por toda a cidade. 1913 se torna a segunda data de fundação do futebol argentino, com um marco: o primeiro clube com maioria criolla, só três jogadores tinham descendência britânica, ganha o campeonato. Esse time era o Racing Club de Avellaneda.

A partir daí o futebol cria forma e identidade própria. Os ingleses que eram táticos, jogavam coletivamente passam a perder terreno por serem considerados mecânicos demais; os argentinos são mais espontâneos e criam as famosas gambetas que se consolidam nos anos 1930, principalmente na primeira Copa do Mundo. Muitos jogadores acabam indo para a Europa. A Argentina retalia as Copas de 1934 e 1938 porque as seleções, principalmente a italiana, usa jogadores argentinos. Com a Segunda Guerra cessa o êxodo. Nos anos 1940, surgem times fantásticos como o San Lorenzo de 46 (que fez uma excursão clássica pela Europa e criou o tal do tiki-taka) e La Máquina, um time emblemático do River que dominou o cenário futeboleiro de 1941 a 1947. Dos anos 30 aos 40 o futebol argentino era tomado por nacionalismo.

Em 1951, surge o primeiro alerta: a seleção começa a fazer um tour pela Europa e perde para a Inglaterra por 1 a 0, partida que mostrou que o estilo europeu se aprimorou com os anos e que a Argentina estava ficando para trás.

Em 1957, a Argentina decide jogar as eliminatórias para a Copa. A AFA, soberba, decide não convocar jogadores que estavam na Europa, acreditando que tinha plantel suficiente para serem campeões. Tudo foi pelo ralo quando tomou 6 a 1 da Tchecoslováquia que arrastou a albiceleste para uma crise. A política de se manter fechada cai e inicia-se uma abertura para novos modelos de jogo e influência, principalmente brasileira, que se torna fonte de inspiração, o modelo ideal a ser seguido.

E assim seguiu, até meados de 1998, os argentinos nutriam grande admiração pelo futebol e até torciam pelo Brasil. Com a popularidade da internet, os argentinos “descobrem” a rivalidade do Brasil que além de torcerem contra no futebol desejam que não ganhem em nenhum esporte, mesmo que o Brasil nem esteja competindo. Os argentinos que sempre admiraram o futebol brasileiro ficaram enraivecidos, claro.

Os argentinos, mesmo com tudo isso, sempre têm respeito ao jeito brasileiro, enquanto os brasileiros costumam vê-los como o inimigo, o "mal desleal". Para os argentinos, eles sempre tentam encarar essa tal rivalidade na esportiva, já que seus rivais são a Inglaterra, desde o surgimento do futebol no Plata, e ainda mais após as Malvinas, e Uruguai e Chile que começaram em disputas territoriais e se estenderam às canchas. No caso uruguaio começa pelo Mar del Plata e é o clássico entre seleções mais vezes disputado no mundo; possui equilíbrio total, como 15 Copa América para os orientales e 14 para os argentinos; Libertadores são 24 albicelestes e 8 uruguaias, já disputaram final de Copa do Mundo e últimas vagas para a Copa. A chilena começou nos territórios e depois foi para as Malvinas, quando a Inglaterra conseguiu apoio do vizinho argentino e chegou à Copa América, com as duas últimas amargas derrotas argentinas. A Argentina é freguesa brasileira e sempre encarou como um jogo contra qualquer outra forte seleção.

Na Copa de 2014, a coisa se acentuou: as matérias feitas sobre a seleção argentina eram mínimas se baseavam em duas coisas, ou a seleção argentina (que não havia nada de esquemas táticos, eram apenas sobre Messi, apresentado sempre como companheiro de Neymar) e à torcida (sempre chamados de invasores), forçando sempre uma rivalidade. O Olé não ficou para trás: sempre fez tiradas com todas as seleções, mas decidiu pegar em especial no pé do Brasil, mas sempre tentando levar na brincadeira já que não vencem nada hás 23 anos e não alimentam grandes esperanças atualmente com o declínio em que se encontra o futebol porteño. E não me venham com Desábato e Maxi Lopes chamando jogadores de macacos, isso nada tem a ver com rivalidade. É um crime absurdo, é racismo e deve ser punido. Aliás, essa mania de chamar brasileiros de macacos não foi criada por um argentino e sim um cartunista uruguaio.

O Brasil tem como grande carrasco a França, mas nunca criou uma disputa com ela. Nem mesmo com a Alemanha após o sete a um que coroou o fiasco da anfitriã. Talvez a coisa venha da grande mídia que precisa criar o herói, o vilão…, mas com isso, um ódio desnecessário é alimentado contra uma pessoa que você nem conhece.

O fato é que pela definição do dicionário rivalidade é uma oposição sem grandes consequências que disputam algo com o mesmo objetivo. A Argentina nunca teve pretensões (e nem condições) de disputar com o Brasil. Portanto, a vida é bem mais que um comercial de cervejas que enaltece uma rivalidade inventada pela grande mídia.