Vagner Freitas: Em dia de luto, Senado enterra a democracia e dá golpe

A presidenta Dilma foi definitivamente afastada pelo Senado Federal, apesar de não ter sido provado nenhum crime de responsabilidade. O golpe na democracia afetará profundamente a vida dos trabalhadores e trabalhadoras do campo e da cidade e dos brasileiros e brasileiras que mais precisam da manutenção e ampliação dos direitos e das políticas públicas, tanto hoje quanto no futuro.

Por Vagner Freitas*

Vagner Freitas: Em dia de luto, Senado enterra a democracia e dá golpe

Não se trata de uma simples troca de comando e, sim, da usurpação dos destinos do Brasil por uma parcela da classe política, do judiciário e da imprensa que quer o poder a qualquer preço.

O julgamento, todos viram, foi um desfile da hipocrisia e de covardia dos parlamentares pelos corredores e no plenário do Congresso Nacional. Como “juízes”, lá estavam muitos senadores que são réus e estão sendo processados pelo Supremo Tribunal Federal por corrupção e outros crimes. Sem o menor constrangimento, se sentiram no direito de julgar uma presidenta inocente, que não cometeu nenhum crime, não tem contas no exterior, nem foi acusada de corrupção e que foi eleita de forma legítima por mais de 54 milhões de brasileiros e brasileiras.

Os mentores da estratégia golpista, Eduardo Cunha, réu no STF e com contas milionárias no exterior, e Michel Temer, citado por delatores da Lava Jato, saíram dos subterrâneos onde sempre atuaram e se uniram ao perdedor das eleições, Aécio Neves, para viabilizar o golpe. Agora, exibem descaradamente suas facetas conspiratórias e cínicas à luz do dia, protegidos pelos barões da mídia, latifundiários, executivos de empresas multinacionais, banqueiros e tantos outros oportunistas.

Os ataques aos direitos sociais e trabalhistas do governo golpista de Temer é a melhor demonstração de que os empresários, do Brasil e do exterior, financiaram o golpe e, agora, estão cobrando reformas trabalhista e previdenciária.

Isso significa redução ou extinção de direitos conquistados com muita luta, desde a CLT de 1943 até os programas sociais da Constituinte de 1988, que têm feito o Brasil, embora mais lentamente do que desejaríamos, deixar de ser um país de miseráveis, famintos, analfabetos, doentes, sem moradia e água tratada, sem emprego, sem atendimento odontológico e médico.

Todas as propostas divulgadas até agora pelos golpistas são contra os interesses da classe trabalhadora. A última delas, o corte de verbas para os programas de alfabetização, já foi anunciada oficialmente pelo governo ilegítimo. O congelamento de gastos públicos por 20 anos, atrelados somente à correção da inflação, vai deixar milhões de pessoas sem os já modestos, porém essenciais, serviços de saúde, educação, segurança e lazer hoje existentes. O ministro ilegítimo da Saúde já disse que o SUS, por exemplo, é excessivamente grande e, portanto, precisaria ser cortado, diminuído, desmontado. O da Educação já anunciou a redução ou extinção de programas como o Ciências Sem Fronteiras, entre outros.

Está nos planos dos golpistas também um ataque brutal às leis trabalhistas, à carteira de trabalho e a todos os direitos delas decorrentes, como 13º, férias remuneradas, horas extras, descanso semanal e outros. Outra proposta, o negociado sobre o legislado, abandona os trabalhadores e trabalhadoras à própria sorte, colocando-os para negociar os direitos contidos na CLT diretamente com os empresários, sem a proteção adequada e sem regras. A mira destruidora dos golpistas já foi apontada para acabar com a política de valorização do salário mínimo e também se volta contra aposentados e pensionistas, com anúncio de medidas como a redução de até 40% do valor dos benefícios, a desvinculação dos reajustes dos benefícios do salário mínimo e o aumento da idade mínima para 65 ou 70 anos.

O jogo contra o povo é bruto, cruel.

Direitos recentemente conquistados, como mecanismos de proteção à vida e à dignidade das mulheres, dos negros, dos indígenas, da população LGBT, são alvo de ataques e zombarias. Um exemplo disso são as cotas no ensino superior para os estudantes egressos das escolas públicas, tão essenciais na superação das desigualdades e falta de oportunidades seculares.

Com a injusta cassação da Dilma, golpistas ganham liberdade inédita para atacar o nosso futuro e o do país também. A CUT e os movimentos sociais vão lutar contra retrocessos.

A destruição da dignidade e o desprezo pelo povo e, em consequência, pelo Brasil, não se dará apenas internamente.

Diante do mundo, o governo ilegítimo já anuncia a venda da Petrobras e de suas jazidas de petróleo do pré-sal e a privatização de estatais como o Banco do Brasil, a Caixa, os Correios e as empresas de energia. Os golpistas também querem a liberação da venda de terra para estrangeiros, comprometendo nossa produção de energia e o uso da água. Querem a liberação do espaço aéreo. Enfim, querem leiloar a nossa soberania nacional na bacia das almas.

As medidas são a resposta dos parlamentares e do golpista Temer e sua equipe aos financiadores do golpe, empresários que exigem medidas que garantam mais e mais lucros e menos direitos para os trabalhadores e as trabalhadoras.

A CUT, seus sindicatos filiados e os movimentos sociais que conosco sempre estiveram fizeram tudo que estava ao nosso alcance para impedir esse golpe.

Não queríamos barrar o golpe simplesmente para defender a pessoa Dilma – cuja honestidade e seriedade já seriam suficientes para tanto – mas para impedir a onda conservadora que se agiganta ao redor, a perda de direitos, o retrocesso.

Com todas as dificuldades do seu governo, sabíamos que Dilma jamais apontaria suas baterias para levar o Brasil ao atraso. Ao contrário, assim como o presidente Lula, Dilma tudo fez para resguardar o país da crise internacional que castiga o mundo desde 2008.

De nossa parte, sempre apontamos aquilo que julgávamos errado, como o ajuste fiscal tão elogiado por aqueles que agora a levam ao cadafalso. Fizemos mobilizações, greves no setor público e privado, passeatas, reuniões, audiências e negociações para pressionar o governo a manter o rumo do desenvolvimento com a imprescindível luta por justiça social.

Hoje, neste dia de luto, daremos início a mais um ciclo de luta pela retomada da democracia. Para o mês de setembro, a CUT já marcou um Dia Nacional de Paralisação, um Esquenta Greve Geral contra a retirada de direitos, no dia 22.

Tudo faremos para organizar nossos filiados e os não filiados para combater o desemprego e impedir a retirada de direitos. Conosco estarão alguns companheiros e companheiras que nos orgulham pela mesma vocação democrática, a exemplo de artistas, intelectuais e juristas que também denunciaram o golpe, aqui e ao redor do mundo.

É um momento de profunda tristeza para nós. Tristeza que vai se espalhar até nos corações dos indiferentes, quando notarem, a despeito do silêncio da mídia, que o projeto dos golpistas é rasgar a Constituição de 1988. Mas a tristeza não nos fará abaixar a cabeça nem quebrar o espírito de luta da classe trabalhadora. Porque tudo o que conquistamos foi fruto da luta e da persistência.

Exerceremos resistência diária e aguerrida contra os inimigos da pátria. Não estamos sós, ocuparemos todos os espaços e, da mesma maneira que já fizemos antes, combateremos o arbítrio e a tirania, sempre em defesa da democracia, da participação popular, da distribuição de renda, justiça social e direitos da classe trabalhadora.

Até a vitória.

*Vagner Freitas é presidente da Central Única do Trabalhadores (CUT)