Deputados criticam ações de perseguição aos movimentos sociais

A Comissão de Direitos Humanos (CDH) da Câmara realizou audiência pública, nesta quarta-feira (14), para debater a repressão e a criminalização dos movimentos sociais. O debate, proposto pelo presidente do colegiado, deputado Padre João (PT-MG), reuniu representantes de entidades que tem sido vítimas de perseguição por parte de órgãos do sistema de polícia e de segurança pública. Vários casos recentes foram citados durante o debate.

Deputados criticam ações de perseguição aos movimentos sociais - O Cafezinho

O deputado citou o caso de duas pessoas do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra que são mantidas presas por setores da Justiça de Goiás que consideram o MST como uma organização criminosa. No Paraná, integrantes do MST que foram vítimas de violência praticada pela Polícia Militar do estado, que culminou, além de feridos, na morte de dois trabalhadores em abril desse ano, em Quedas do Iguaçu.

No Pará, um juiz impediu militantes do Movimento dos Atingidos por Barragens de se aproximar de áreas onde a empresa Norte Energia supostamente teria a imissão na posse. Essas áreas vão desde canteiros de obras até reassentamentos.

“A organização em movimentos sociais não apenas é lícita como desejável. São as articulações com propósitos reivindicatórios que permitem o avanço na concretização dos objetivos fundamentais previstos pelo próprio constituinte. A criminalização dos movimentos sociais viola os direitos humanos e deve ser debatida”, defende o Padre João.

Ele anunciou que o colegiado vai pedir providências ao Ministério Público de São Paulo, do Rio Grande do Sul, do Paraná e do Distrito Federal, e também às secretarias de Segurança Pública e corregedorias de forças policiais desses estados sobre os casos de repressão e violência contra manifestantes e movimentos sociais.

Pedido de esclarecimento

O presidente da CDH também disse que vai insistir na votação dos requerimentos do deputado Nilto Tatto (PT-SP), convocando o ministro da Justiça, Alexandre Moraes; o ministro da Defesa, Raul Jungmann; e o ministro do Gabinete de Segurança Institucional, Sérgio Etchegoyen.

As autoridades serão convidadas a prestar esclarecimentos sobre possível prática de crimes de espionagem, de abuso de autoridade, de falsidade ideológica e de improbidade administrativa na ação de infiltração ilegal do capitão do Exército, Willian Pina Botelho, em manifestação contrária ao governo golpista de Michel Temer.

“É triste vermos práticas ditatoriais e violações aos direitos humanos da parte de quem deveria proteger o cidadão. Nesse caso não podemos nos omitir, nem nos acovardar”, disse Padre João em relação à ofensiva da CDH na cobrança de punição para esses atos.

Para a Procuradora Federal dos Direitos do Cidadão do Ministério Público Federal, Deborah Duprat, é inadmissível que exista repressão a manifestações e monitoramento de movimentos sociais dentro de um Estado Democrático de Direito.

“O direito a crítica e à manifestação é o oxigênio da democracia, e a tentativa de incrimina-los está na contramão desses direitos. Os movimentos sociais não podem ser monitorados porque isso fere a liberdade de expressão e o direito a intimidade das pessoas investigadas, além de ser uma interferência indevida do Estado”, finalizou.

Abuso de poder

Durante a audiência pública, o advogado Mauro Rogério Silva Santos contou o caso de violência sofrida por ele e o filho, Vinicius Zabot dos Santos, de 21 anos, após o encerramento de uma manifestação contra o impeachment da presidenta Dilma Rousseff, em Caxias do Sul (RS). O advogado contou que no último dia 31, ao buscar o filho após o fim do ato, tentou interceder a favor de uma mulher e um adolescente acusado de pichações contra Temer e foi agredido pela polícia.

“Apresentei minha carteira da OAB e perguntei o que estava acontecendo. Nesse momento, policiais me deram voz de prisão e começaram as agressões. Meu filho ao ver isso, foi me defender e o resto vocês já viram no vídeo”, relatou. O registro citado por Mauro Santos é uma filmagem divulgada pelo site Mídia Ninja, na qual aparece o advogado apanhando de policiais.

Outro caso de abuso foi relatado pela médica Maria Alessio e também ocorreu no dia 31 de agosto, data do afastamento definitivo da presidenta eleita Dilma. Nesse dia, ela disse que passava de carro pela Esplanada dos Ministérios, em Brasília, quando se deparou com uma manifestação favorável à presidenta Dilma. Nesse momento ela disse que reduziu a velocidade do carro e passou a buzinar em apoio à manifestação.

“Após passar pela manifestação observei pelo retrovisor um carro da polícia militar vindo na minha direção em alta velocidade. Quando emparelhou comigo pediu para eu encostar e logo pediram a habilitação e os documentos. Nesse momento eu apenas perguntei qual era o problema, e fui informada que pediriam reforço e que me escoltariam até a delegacia”, contou. Ela disse ainda que após chegar à delegacia foi autuada por “desobediência a agente de trânsito”.

“O curioso é que chegou uma viatura do Detran, do além, para me multar. Eu senti que foi uma atitude de intimidação para dizer ‘olha o que acontece com quem participa de manifestação’. Depois fiquei sabendo que após me escoltarem para a delegacia, a polícia ainda jogou spray de pimenta nas pessoas que participavam do ato”, ressaltou.

Espionagem

Sobre o caso de infiltração de um capitão do Exército em movimentos sociais, o jornalista Fausto Salvador Filho, do site de notícias Ponte, revelou como descobriu a trama. No último dia 4 um grupo de 21 jovens foi detido sob a acusação de planejarem atos violentos, na cidade de São Paulo, após um ato contra o governo golpista de Temer.

“Um verdadeiro aparato, com 10 viaturas, um ônibus da polícia, e até um helicóptero surpreendeu os jovens que iam para a manifestação. Um deles apenas passava pelo local e acabou preso. Após serem levados para a delegacia foram proibidos até mesmo de ligar para os pais ou advogados. Mas eles começaram a desconfiar que um dos detidos era policial, porque não o viram na delegacia”, explicou.

Essa pessoa, de acordo com Fausto Filho, seria o capitão do Exército William Pina Botelho. Ele era conhecido por vários manifestantes como Balta Nunes.

“Ele se identificava dessa forma em um perfil do aplicativo de encontros Tinder, mas o objetivo dele era se infiltrar em organizações e movimentos sociais de esquerda. Após circularem vídeos sobre a prisão, surgiram denúncias de que ele tinha outro nome e que era capitão do Exército. Então, bastou buscar pelo nome correto e verificar em perfis em redes sociais a verdadeira identidade dele”, disse.

O jornalista destacou que após a revelação da verdade, já surgiram denúncias de que o capitão do Exército, identificado sob o pseudônimo de Balta Nunes, já tentava se infiltrar desde o ano passado em grupo dos jornalistas livres, e de apoio a CUT, ao MST e a UNE.