Andrea Caldas: A Universidade e a crise nacional

A instabilidade política e econômica em curso no Brasil não é algo genérico. Ela se materializa em uma série de medidas restritivas e de perda de direitos em várias áreas. Trata-se de uma investida coordenada de desmonte do legado da Carta Constitucional de 88, como marco civilizatório.

Por Andrea Caldas, na Carta Maior 

Andrea Caldas: A Universidade e a crise nacional - (Foto: Flickr/ UnB Agência)

Na Universidade pública as medidas propostas visam desmontar um dos mais eficientes arcabouços de ensino e pesquisa da periferia do mundo. O desarranjo não vem à toa.

Está articulado com o quadro de antidesenvolvimentismo proposto pelos governo golpista para uma sociedade em forte processo de desindustrialização. Trata-se de uma conjuntura em que as grandes corporações apenas importam conhecimento produzido nos países centrais e em que a produção nacional nas áreas de Ciências Exatas, Humanas e Biológicas pode ser descartada em favor de pacotes prontos de produtos a serem aplicados numa fronteira dócil da expansão do capital.

Não são apenas cortes orçamentários, paralisação de concursos e navalhadas nas verbas de custeio que estão em curso. São subprodutos da PEC 241, que congela o orçamento público por vinte anos (aliás, o período coincide com o da ditadura de 1964, que durou 21).

O congelamento, como se sabe, não visa eficiência ou retomada do crescimento. Tem por objetivo apenas garantir o pagamento da dívida financeira, tornando o Estado mera fonte pagadora de juros aos rentistas.

O controle dos fundos públicos passa a ser um elemento estratégico para os setores privados em crise e para tanto, passam a disputar a oferta de serviços sociais; seja através de subsídios governamentais, seja através da venda de serviços, que aproveita a vaga de encolhimento e precarização desta mesma oferta pelo Estado.

È preciso reafirmar que educação, saúde, assistência e segurança são direitos universais e não produtos, a serem adquiridos, de forma desigual, no mercado.

Neste momento de riscos e ameaças é fundamental que a universidade se posicione, como fez em outros momentos históricos importantes.

È decisivo que a produção do conhecimento e sua disseminação estejam conectados com as demandas sociais e o contexto concreto.

A Universidade deve ser um locus de debate vivo e proposição de saídas, na direção do fortalecimento da democracia e da justiça social.

Para tanto, é preciso que reformule seus procedimentos e estruturas internas para dar voz à toda a comunidade e conectar-se com a sociedade.

Uma gestão universitária comprometida com a democracia deve garantir o pleno funcionamento dos órgãos colegiados e de outras instâncias de participação direta, além de manter internamente permanentes canais de diálogo com toda a comunidade acadêmica e interlocução com a sociedade.

Algumas iniciativas nesta direção já tem sido tomadas.

Na Universidade Federal do Paraná (UFPR), onde sou professora, propus e relatei a resolução que determinou que todas as reuniões dos Conselhos Superiores da instituição passassem a ser transmitidas ao vivo pelos canais internos.

Mas é necessário avançar mais!

È preciso debater o orçamento da universidade, de forma aberta e transparente.

È preciso fortalecer o protagonismo dos estudantes, docentes e técnicos em várias modalidades da produção do conhecimento, incluindo a cultural.

Externamente, uma diretriz desse tipo precisa estar conectada às demandas de uma sociedade complexa, que construiu a duras penas uma institucionalidade ao longo das últimas três décadas, consubstanciada nos avanços da Constituição de 1988 (que o golpe almeja desfigurar).

Uma direção dessa natureza deve também ser interlocutora e demandante dos anseios da comunidade acadêmica junto aos órgãos do MEC. Em uma administração ministerial que preza mais ouvir conselhos de Alexandre Frota ou produzir uma reforma radical no ensino médio sem debate e através de Medida Provisória, o esforço pela seriedade no trato da coisa pública será redobrado.

Por esse motivo, a Constituição de 1988 facultou às Universidades públicas o direito de eleger seus reitores. É isso que dá autoridade e legitimidade para as gestões na defesa da educação pública.

É algo diametralmente oposto ao funcionamento do país em tempos de golpe e autoritarismo, como ocorre no governo federal.

*Diretora do setor de Educação da Universidade Federal do Paraná