Iana Soares: Policial que chuta policial

“Esse episódio é um alerta para os cidadãos apavorados que caem no discurso da militarização da guarda como possibilidade de aumento da segurança. Ou que repetem feito mantra que “bandido bom é bandido morto”. Com esse pensamento, morre você no meio da tarde, enquanto compra remédio. Morre a humanidade inteira. Desde quando arma é solução para a paz?”

Por *Iana Soares

Violência Policial

É quarta-feira. Maria renova o estoque de remédio para pressão, Lucas descobre que não tem camisinha, Inácio decide provar um novo enxaguante bucal. Felipe, com apenas 7 anos, tenta convencer a mãe a comprar uma bolinha colorida por apenas um real. Enquanto isso, na mesma farmácia do Centro de Fortaleza, um policial dispara uma arma contra outro policial. Achou que era bandido. Um terceiro policial, ao chegar à viatura para controlar a confusão, chuta o policial que está no chão sobre a poça de sangue que escorre entre o meio-fio e o asfalto ainda quente. Achou que era bandido.

A única ficção deste parágrafo é a de Maria, Lucas, Inácio e Felipe. Podíamos ser eu e você. Os policiais são duramente reais: estavam à paisana e armados em pleno dia da Árvore, 21 de setembro. Aproximadamente 10 tiros foram disparados quando um deles julgou que o outro era bandido. Repito em looping: policial dispara contra policial que chuta policial.

Esse episódio é um alerta para os cidadãos apavorados que caem no discurso da militarização da guarda como possibilidade de aumento da segurança. Ou que repetem feito mantra que “bandido bom é bandido morto”. Com esse pensamento, morre você no meio da tarde, enquanto compra remédio. Morre a humanidade inteira. Desde quando arma é solução para a paz? Há duas semanas, jovens ocupavam “pacificamente” – para usar o termo preferido de quem acha a juventude vândala – a Praça dos Leões quando a Guarda Municipal disparou balas de borracha com gritos de “acabou a festa”.

O mais incrível é que a festa não acabou. Resiste, nos corpos, uma alegria que não pode ser silenciada pelo medo. Votar apavorado, desejar a bala e não o diálogo é aceitar viver na eterna condição de refém.


*Iana Soares é jornalista do O Povo

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