STF relativiza presunção de inocência e mantém prisão em 2ª instância

Por 6 votos a 5, o Supremo Tribunal Federal (STF) manteve o entendimento sobre a possibilidade da decretação de prisão de condenados após julgamento em 2ª instância. O julgamento foi resultado de duas ações protocoladas pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e pelo Partido Ecológico Nacional (PEN) para que as prisões ocorressem apenas após o fim de todos os recursos, o trânsito em julgado, conforme estabelece a Constituição.

Por Dayane Santos

Texto constitucional alterado - reprodução Facebook

Para Luis Gustavo Grandinetti Castanho de Carvalho, desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro e professor da UERJ, a decisão foi um retrocesso.

“No aniversário de 28 anos da Constituição, o STF decidiu que a Constituição não diz o que ela diz, com todas as letras; que seu texto está à disposição do Judiciário; que direitos e garantias do cidadão não valem o que a Constituição quis que elas valessem. Nenhuma outra composição do STF restringiu tanto direitos e garantias. Não há nada a comemorar”, afirmou.

“Trocando em miúdos, o Tribunal que outrora foi o guardião da Constituição, fará valer aquela máxima policial: ‘é inocente mas vai preso assim mesmo’”, frisou o promotor de Justiça do Ministério Público de Goiás, Haroldo Caetano.

Elmir Duclerc, promotor de Justiça e professor na UFBA, demonstrou sua indignação: “A qualidade técnica de alguns votos dos Srs. Ministros sobre a presunção de inocência é simplesmente pavorosa. Lembrou-me a ‘Escolinha do Professor Raimundo’, com o perdão dos humoristas. Se tivessem juízo não deixavam transmitir esse vexame”.

Em entrevista ao Portal Vermelho, Lenio Streck, professor e um dos advogados que subscreveram a ação da OAB, disse há uma “sanha punitivista que tomou conta do Brasil” e que a prisão em segunda instância é uma regressão.

Ele destacou ainda que a mudança de posição acontece num momento de profunda crise política e se transformou em ataque aos direitos e garantias constitucionais. “Quem garante que daqui para frente o Supremo não decida alterar outro direito? O STF não pode reescrever a Constituição. Quem faz lei é o Parlamento”, destaca.

Votação

Sob o discurso de combate à impunidade, seis ministros defenderam a mudança do entendimento. O ministro Gilmar Mendes, que votou pela prisão após a condenação em 2ª instância, disse que, apesar da Constituição estabelecer que a prisão seja somente após transitado em julgado, o Supremo deveria ignorar o texto.

“Levar em conta não só o aspecto normativo, que a meu ver legitima a compreensão da presunção de inocência nos limites aqui estabelecidos a partir do voto do relator, como também levar em conta a própria realidade que permite que exigir o trânsito em julgado formal transforme o sistema num sistema de impunidade”, disse.

Para o ministro Luís Roberto Barroso, que também votou pela permissão da prisão após a condenação em 2ª instância, a medida promove celeridade processual. ”Ao somente se permitir a execução depois do trânsito em julgado, isso é um estímulo para que não se deixe transitar em julgado, o que transformou o nosso sistema de justiça, e o nosso sistema recursal, nesse modelo caótico, que constrange a qualquer pessoa que tenha que explicar que um determinado caso teve 25 recursos só no Superior Tribunal de Justiça. É mais puxado para o ridículo do que para o ruim 25 recursos no mesmo tribunal, todos descabidos, todos não conhecidos.”

Já a ministra Rosa Weber apontou a contradição dos argumentos diante do texto constitucional. “Se a Constituição, o seu texto, com clareza, vincula o princípio da presunção de inocência ou da não culpabilidade a uma condenação transitada em julgado, eu não vejo como possa chegar a uma interpretação diversa”, afirmou.

A Constituição, em seu artigo 5º, inciso LVII, estabelece que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. Trata-se de uma cláusula pétrea da Carta Magna que não deveria sofrer alterações que provocassem retrocesso aos direitos e garantias fundamentais.

O ministro Dias Toffoli mudou o entendimento que fez na primeira votação sobre o tema, em fevereiro deste ano, e votou contra prisão em segunda instância. No entanto, o ministro apresentou uma proposta alternativa, defendendo a execução da pena após o julgamento no Superior Tribunal de Justiça, a terceira instância.

“Não há dúvida, essas análises todas estão constitucionalmente reservadas ao Superior Tribunal de Justiça, em razão de missão constitucional que lhe foi outorgada de zelar pela higidez da legislação penal e processual penal e também pela uniformidade de sua interpretação em todos os seus tribunais pátrios”.

O ministro decano Celso de Mello também votou pela prisão do réu somente depois que todos os recursos forem julgados.