Reportagem: O salto da educação cearense

Como o Programa Alfabetização na Idade Certa (Paic) e a articulação entre estado e municípios trouxeram equidade e alavancaram o desempenho dos alunos da rede pública do Ceará.

IDEB

Desde a divulgação do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) pelo MEC, no início de setembro, o Ceará virou pauta entre educadores, gestores e pesquisadores da área de Educação. A razão? O avanço expressivo da rede pública do estado nos anos iniciais do Ensino Fundamental (1º ao 5º ano) dentro do índice criado para aferir a qualidade do ensino no Brasil.

De saída, um dado salta aos olhos: considerando-se essa etapa do ensino, das 100 melhores escolas públicas do País, 77 estão no Ceará. O ranking revela ainda que as primeiras 24 posições são todas ocupadas por escolas cearenses. No topo do índice, aparecem empatadas com nota 9,8 as municipais São Joaquim, localizada no município de Coreaú, e a escola Emílio Sendim, da cidade de Sobral.

Com nota 5,9 no Ideb, o Ceará não só ultrapassou a meta estipulada para 2015, de 4,5, como também superou a projeção para 2021, de 5,4. Para se ter uma ideia, no registro do primeiro Ideb, de 2005, a nota do estado era de 3,2. Apesar de mais tímida, os anos finais do Ensino Fundamental (6º ao 9º ano) também apresentaram melhora. Com nota 4,8, a rede de ensino cearense superou a meta de 4,3 e a projeção para 2017 (4,6).

No entanto, o mesmo bom desempenho não se estendeu ao Ensino Médio, etapa na qual o Ceará atingiu a nota 3,7 (a mesma nota do Brasil), ficando abaixo da meta de 4,2.

Apesar do desempenho abaixo do previsto na última etapa da Educação Básica, os resultados colocam o Ceará como o estado mais bem classificado da região Nordeste e na 5ª colocação nacional. Para completar o quadro, a cidade de Sobral despontou com nota 8,8 para os primeiros anos do Fundamental – melhor resultado nacional para o ciclo.

Especialistas e gestores creditam a evolução cearense nos indicadores ao trabalho realizado pelo Programa Alfabetização na Idade Certa (Paic), um programa de cooperação entre o governo do estado e municípios cearenses, implementado em 2007, com a finalidade de garantir a alfabetização dos alunos matriculados na rede pública até os 7 anos de idade.

O programa começou a ganhar forma após a divulgação, em 2005, dos resultados do Comitê Cearense pela Eliminação do Analfabetismo Escolar, instituído na Assembleia Legislativa, que à época descortinou uma realidade desafiadora: dos 184 municípios cearenses, apenas 14 estavam no nível desejado de alfabetização.

Implementado o Paic, todas as cidades passaram a receber investimento financeiro e técnico para a gestão municipal, avaliação, formação de professores, aquisição e uso de material didático estruturado e apoio pedagógico. A adoção do programa permitiu o monitoramento da aprendizagem de cada aluno e a interpretação pedagógica dos resultados das avaliações externas da rede para a correção dos rumos, dando apoio adicional aos municípios com resultados mais baixos.

“Um dos fatores que eu atribuo como responsável pelo seu sucesso foi que o Paic, uma política estadual, contou com a adesão de todos os municípios, independentemente de qualquer questão, divergência política”, coloca o secretário da Educação do Ceará, Idilvan Alencar.

“Hoje, a rede estadual do Ceará é praticamente Ensino Médio. Então o estado traz para si uma questão que, em tese, seria responsabilidade dos municípios. Nós fazemos a formação dos professores junto às universidades, credenciamos as opções de material didático e fazemos a avaliação, mas quem coloca tudo em prática são os municípios”, explica.

Além do bom desempenho em Matemática e Língua Portuguesa, uma pesquisa realizada pelo Cenpec (Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária) atrelou ao Paic ações essenciais para a promoção da equidade escolar. “Muitas vezes os indicadores melhoram mas às custas do reforço da desigualdade escolar, isto é, quando as melhores escolas, alunos, puxam a média para cima, mas a maioria mantém o baixo desempenho”, explica Joana Buarque de Gusmão, pesquisadora da Coordenação de Desenvolvimento de Pesquisas do Cenpec.

No caso do Paic, o estudo verificou que os estudantes com níveis socioeconômicos mais baixos também apresentaram um padrão de melhora. “O que percebemos é que o Ceará tinha uma cenário pré-Paic que colaborou muito para o sucesso da política. É um dos estados com maiores taxas de municipalização do Fundamental no Brasil, o que nós chamamos de ‘descentralização orquestrada’, essa política de cooperação entre estado e municípios que colaborou para seu sucesso”, explica Joana.

Em 2011, o Ceará expandiu o escopo de suas ações para o 3º, 4º e 5º anos do Fundamental com lançamento do Programa Aprendizagem na Idade Certa (PAIC +5) e em dezembro do ano passado, com o MAIS PAIC – Programa de Aprendizagem na Idade Certa, passando a atender também do 6º o 9º ano. Além disso, o êxito da iniciativa cearense, somada a outras experiências, acabou por inspirar a formulação do Programa Nacional de Alfabetização na Idade Certa (Pnaic), implantado em todo o Brasil em 2012.

Outra medida importante foi a mudança no Ceará da Lei de distribuição do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços), também em 2007, que determinou que o repasse do imposto aos municípios fosse feito em função dos resultados obtidos nas áreas da educação (72%), saúde (20%) e meio ambiente (8%).

“Atrelamos o resultado dos municípios na avaliação Spaece (Sistema Permanente de Avaliação da Educação Básica do Ceará), feita anualmente, ao repasse do ICMS”, explica Alencar. O exame avalia a alfabetização dos alunos do 2° ano do Ensino Fundamental (Spaece-alfa) e as competências e habilidades nas áreas de Língua Portuguesa e Matemática dos alunos do 5º e 9º anos do Fundamental e de todas as séries do Ensino Médio.

Com a mudança, os municípios mais pobres do estado, que historicamente sempre apresentaram performance da educação pior do que a dos municípios mais ricos, obtiveram um salto no desempenho, reduzindo a desigualdade de proficiência entre as duas pontas.

Além disso, o estado é conhecido pela adoção de políticas de responsabilização ou bonificação na Educação – estratégia ainda polêmica que costuma dividir opiniões. Um prêmio no valor de 2 milhões de reais é dividido entre as 150 melhores e as 150 piores escolas no exame. “Metade desse dinheiro é pago no início e a outra metade só é dada quando as melhores escolas ajudam aquelas que tiveram pior desempenho. Então, se eu sou diretor de uma escola em Sobral, que ficou em primeiro lugar, vou ter que visitar uma escola em Fortaleza que ficou entre as piores e fazer uma espécie de consultoria, de troca de conhecimento para ajudar aquela instituição”, explica o secretário.

Para ele, este plano de ação conjunto é o motivo por trás da uniformidade do estado no Ideb. “Todos os municípios atingiram as metas, o que mostra a homogeneidade entre as redes”.

No entanto, a bonificação, no caso cearense, está longe de ser o elemento motivador central, diz Ocimar Alavarse, professor da Faculdade de Educação da USP e coordenador do Grupo de Estudos e Pesquisas em Avaliação Educacional. “Eu não tiraria a conclusão pelo Ceará de que a bonificação funciona. Não é isso. O principal elemento é que se estabeleceu um regime de colaboração entre estado e municípios que é muito raro no Brasil, uma sintonia a despeito das disputas partidárias. Em São Paulo, por exemplo, não se vê isso nem entre as redes que são do mesmo partido do estado, PSDB”.

Para o professor, o maior risco das políticas meritocráticas é acabar favorecendo quem já está melhor, o que não ocorre no Ceará já que as piores escolas são premiadas e acompanhadas. “O fato do Ceará trabalhar com avaliações em larga escala permite que os municípios acompanhem melhor seus resultados e tenham dados para orientar suas políticas. Não dá para dizer que as escolas trabalham em torno de avaliação”.

Para Jakeline Alencar Andrade, coordenadora do curso noturno de Pedagogia da Universidade Federal do Ceará, é preciso, sobretudo, destacar o investimento realizado na formação de professores e no estabelecimento de parâmetros de qualidade para todo o estado. “O Paic não é um método em si. Mas por meio dele, por exemplo, foram feitas parcerias com as universidades estaduais e federal para a formação continuada dos professores. Então, tivemos professores das universidades que foram para o interior formar docentes e discutir o modelo. Isso foi essencial”, diz.

Mílvia Carvalho, diretora da escola Emílio Sendim, localizada em Sobral e primeira colocada no Ideb, também aponta a Escola de Formação Permanente do Magistério de Sobral – ESFAPEM, instituída em 2006, como um investimento crucial. “Temos um trabalho muito importante de formação continuada. Outro ponto importante é que o município de Sobral garante que ⅓ do tempo de trabalho do professor seja fora da sala de aula, planejando, estudando, se aprimorando”, diz.

Combate à infrequência, autonomia financeira, pedagógica e administrativa também são apontadas como pontos importantes para a bem-sucedida colocação da escola. “Fazemos um acompanhamento minucioso da frequência do aluno e nossa equipe tem um compromisso muito grande e liberdade com seu papel educador. Trabalhamos com foco na motivação dos alunos, dando feedback sempre que possível e fazendo as devidas intervenções”, finaliza.