Justiça do Trabalho: Resistir para avançar

O Ministro Ives Gandra Martins Filho, presidente do TST, há poucos dias concedeu entrevista a um jornal de grande circulação em São Paulo, referindo que a balança da Justiça do Trabalho pende para um lado. Já sabemos disso Ministro, e não é de hoje. Afinal de contas, foi o TST quem chancelou a terceirização, inclusive em hipóteses sem qualquer previsão legal, como a limpeza e conservação, através da súmula 331.

Por Valdete Souto Severo*, no Justificando

Carteira de Trabalho - Divulgação

É do TST, também, a súmula que possibilita realização de jornada de 12 horas, extrapolando os parâmetros constitucionais (8h) e legais (extensão, de modo extraordinário, por no máximo 2h por dia) e estabelecendo o “negociado sobre o legislado” bem antes da matéria cair na predileção do STF.

A Justiça do Trabalho criou técnica de supressão do acesso à justiça, através da invenção, sem base legal alguma, da cláusula de quitação geral, que também já foi objeto de chancela por parte do STF, em recentes decisões acerca da jornada e da despedida. Tem jurisprudência consolidada aplicando pena de confissão ao reclamante, sem amparo legal na legislação processual trabalhista. Permite e estimula a realização de acordos que reduzem os valores devidos aos empregados, mesmo após o trânsito em julgado das demandas trabalhistas.

Se examinarmos a maioria das questões “sumuladas” pela Justiça do Trabalho, notadamente pelo TST mas também pelos tribunais regionais, não teremos dúvidas de que a balança pende para um lado, e não é o dos trabalhadores.

O discurso do Ministro Ives, distorcendo uma realidade facilmente perceptível, basta – repito – fazermos a leitura das mais de 400 súmulas do TST, é grave sobretudo pelo momento em que proferido. Essa entrevista, após inúmeras manifestações do Ministro Gilmar Mendes, de teor similar, sempre em tom feroz de ataque contra a Justiça do Trabalho, evidencia uma sintonia fina, também revelada pelo convite recém lançado pelo TST, para o seminário em comemoração aos 75 anos da Justiça do Trabalho.

Os dois Ministros convidam a comunidade jurídica a comemorar os 75 anos da Justiça do Trabalho, enquanto proferem discursos que a condenam a morte. O convite, recebido pelos juízes do país inteiro, não aparece mais no site do TST. Nem a programação do evento, que lá estava, revelando o conteúdo desse seminário, em que os temas propostos são a autonomia da vontade coletiva e o “novo” direito do trabalho (eufemismo para propostas de destruição desse direito social).

Esse é o quadro desolador que ajudamos a criar, ao permitir que o Direito do Trabalho fosse recortado, desconfigurado e distorcido através de súmulas e entendimentos que negam a Constituição.

Nada disso, porém, compromete a importância simbólica da Justiça do Trabalho. É ainda nesse espaço de condições adversas que o trabalhador se sente representado; é nesse espaço que ele se reconhece como cidadão, tem condições de ser ouvido e de ter seus Direitos, ainda que de modo tardio e parcial, efetivamente respeitados.

Permitimos, por décadas, que a Justiça do Trabalho assumisse a feição do capital, para chegarmos à culminância desse processo de destruição interna do significado histórico da existência de uma justiça social. Estávamos anestesiados, assistindo, passivos, à desconfiguração do Direito do Trabalho por quem tinha a missão de defendê-lo e praticá-lo.

A diferença agora é que as cartas estão na mesa. O discurso da demasiada proteção mal disfarça a realidade. Nossa fraqueza está sendo usada contra nós. O ataque sistemático tem um objetivo claro: o fim da Justiça do Trabalho. E com ela, do Direito do Trabalho. Não é mais possível fecharmos os olhos a esse fato. É preciso debater; estudar, compreender a razão pela qual construímos uma racionalidade de proteção a quem trabalha. É preciso escrever, denunciar, revelar que estamos compreendendo o que está ocorrendo na cúpula do Poder Judiciário. É hora de resistir, lutar e avançar.