O encanto peculiar dos dérbis e a importância dos estaduais

Ponte Preta x Santos foi adiado para evitar confronto entre pontepretanos e bugrinos, que poderiam comemorar o título da Série C. Afora as brigas, que mancham o futebol, chama a atenção a imensa rivalidade entre Bugre e Macaca. Nos meus mais de 30 anos de arquibancada, nunca vivi nada igual ao dérbi campineiro.

Por Penélope Toledo*

Mascotes da Ponte Preta (Macaca) e do Guarani (Índio)

A cidade para. Praticamente tudo o que acontece no dia, de alguma forma está relacionado com o dérbi. Poucos, dos mais de um milhão de habitantes, não estão com olhares voltados para o jogo. Na semana que antecede e na semana seguinte, nas ruas, bares, escolas, só se fala disto. As camisetas dos dois clubes se espalham por Campinas.

Ouço falar de outras rivalidades assim, com destaque para Remo e Paysandu, o Clássico-Rei da Amazônia, dérbi com mais partidas disputadas (600) e maior tabu do país (o Remo ficou 33 jogos sem perder); Brasil de Pelotas e Pelotas, o Bra-Pel, no interior gaúcho; e o desconhecido Independência e Rio Branco, clássico vovô do Acre.

Tem também os arquirrivais clássicos do Brasil, bem conhecidos pelos/as torcedores/as, e do mundo. Considera-se Boca Juniors x River Plate, da Argentina, o maior dérbi. Integram a lista Barcelona x Real Madrid (Espanha), Celtic x Rangers (Escócia), Peñarol x Nacional (Uruguai), Lazio x Roma (Itália), Fenerbahçe x Galatasaray (Turquia) e Liverpool x Manchester United (Inglaterra), dentre outros.

Campeonatos estaduais e rivalidade:

Ou seja, são sempre rivalidades regionais. Nada mais natural, afinal, é quem você vai encontrar no dia seguinte e trocar provocações, é a camisa que você vai ver em todos os lugares a que for, é de quem você vai tentar fugir no caso de derrota, é na porta de quem você vai bater para zombar no caso de vitória. Vencer é sempre bom, mas vencer o arquirrival é mais gostoso.

Palmeiras x Flamengo não é a mesma que Palmeiras x Corinthians e Flamengo x Vasco. Daí a importância dos campeonatos estaduais, que estão sendo desvalorizados e encurtados em detrimento de um nacional longuíssimo, cópia do modelo europeu e resultado da pressão midiática. Reduzidos a pré-temporadas.

O primeiro Estadual foi em 1902, com 21 partidas e o São Paulo Athletic, de Charles Miller, foi campeão. Nestes 114 anos, os estaduais já chegaram a dividir o calendário com o Brasileirão, mas a partir dos anos 2000 foram sendo cada vez mais achatados. Em 2017 serão apenas 18 datas (29/01 a 30/04), segundo anúncio da CBF.

Os campeonatos estaduais facilitam ao/à torcedor/a acompanhar de perto seu time, pois as cidades são mais próximas. Também dão mais chance aos clubes menores levantarem a taça, como o ABC de Natal e o América Mineiro, que foram decacampeões em 1932-1941 e 1916-1925, na ordem. E, historicamente, revelam grandes jogadores.

São importantes, ainda, porque muitos clubes só disputam os torneios estaduais e com estes curtíssimos, jogam poucas partidas oficiais e param suas atividades antes do meio do ano. Sem falar que os dérbis, em muitos casos, não acontecem no Brasileiro, pois, em divisões diferentes, os arquirrivais não se encontram. Nos últimos dez anos, Guarani e Ponte Preta se enfrentaram em dois Brasileirões: 2009 e 2011.

Em defesa dos Estaduais:

Muitos clubes alegam que os Estaduais, hoje, lhes dão prejuízo financeiro. O que tem a ver com as fórmulas confusas, pouco atraentes e que mudam constantemente – só não mudam mais, por proibição do Estatuto do Torcedor. Também com a sua curta duração.

A desvalorização dos campeonatos estaduais tem ligação com a concentração do futebol nos clubes grandes, que participam da Série A do Nacional; com o interesse midiático de transmitir as partidas que dão mais ibope, que são os clássicos, e o enorme poder das emissoras; e com a supervalorização dos modelos europeus.

Supremacia dos mais ricos, poder midiático e complexo de vira-latas, aliás, são problemas que transcendem o futebol e se espalham por diversas esferas da vida cotidiana do nosso país.

E assim como no futebol, precisam ser superados.

*Comunista, jornalista com passagem pelo jornal Lance!