MPF se apoiou em assinaturas de forma demagógica, diz defensor público

Por 30 votos a zero, o substitutivo apresentado pelo deputado Onyx Lorenzoni (DEM-RS) ao Projeto de Lei (PL) 4850/16, conhecido como “10 medidas contra à corrupção”, foi aprovado pela comissão especial da Câmara dos Deputados. O projeto deve ir à votação do plenário nesta sexta-feira (25), após aprovação do requerimento para tramitação em regime de urgência do projeto.

Por Dayane Santos

Deltan - Pedro de Oliveira/ALEP

O projeto foi elaborado pelo Ministério Público Federal (MPF), tendo como “garotos-propaganda” os promotores ligados à Operação Lava Jato e lançado como proposta messiânica de combate à corrupção. No entanto, propunha, entre outras medidas, a restrição ao pedido de habeas corpus e a admissão de prova ilícita, ferindo frontalmente os princípios constitucionais.

Em entrevista ao Portal Vermelho, Ricardo André de Souza, subcoordenador de Defesa Criminal da Defensoria Pública do Rio de Janeiro, considerou que a retirada de alguns pontos do texto foi um avanço, mas advertiu: “A princípio saíram do projeto pontos como habeas corpus, prova ilícita, prisão preventiva, mas ainda restam outros pontos. A retirada foi um avanço, mas ainda é preciso que o Plenário da Câmara dos Deputado mantenha esses pontos fora do projeto. Há ainda muitas dúvidas sobre qual será o texto aprovado”.

No caso do habeas corpus, foi aprovado o destaque apresentado pelo deputado Paulo Teixeira (PT-SP), que retirou do projeto a medida que previa que, para a anulação de provas, um órgão colegiado deveria decidir. Além disso, se o juiz verificasse que a concessão do habeas corpus produziria efeitos na investigação criminal, teria que pedir a manifestação do Ministério Público.

“Habeas corpus é um instrumento contra o arbítrio e restringir sua concessão é o primeiro passo para um Estado totalitário”, justificou Paulo Teixeira.

No entanto, a proposta enviada no projeto do MPF era bem pior, se é que isso é possível. De acordo com o texto original, o juiz só poderia conceder habeas corpus em caso de prisão ou ameaça de prisão ilegal.

Apesar disso, o relator do projeto, deputado Onyx Lorenzoni (DEM-RS), defendeu a proposta e disse “se concede habeas corpus para qualquer coisa no Brasil”.

“Mesmo assim esta relatoria não limitou a concessão de habeas corpus, que continua a poder ser concedido em caso de violência ou ameaça. O que nós estamos fazendo é prever que o Ministério Público seja ouvido quando o habeas corpus ameaçar uma investigação em curso ou anular uma prova importante”, tentou justificar.

Afronta à Constituição

Criticado por diversos juristas que consideram a proposta uma verdadeira aberração que afronta a Constituição e os direitos fundamentais, o projeto não conseguiu se sustentar no plenário e sofreu outras alterações pontuais na comissão. Mas também houve inovações ao projeto original, como a inclusão do acordo penal, que permite a realização de acordos entre o Ministério Público e o denunciado, desde que haja a confissão dos crimes. O acordo poderá acarretar vantagens na progressão e no cumprimento da pena para o autor.

“Introduziram uma questão que não foi objeto de discussão alguma e que nem está no projeto original que é o acordo penal. Esse é um tema que precisa ser melhor debatido e a experiência internacional, principalmente dos Estados Unidos, demonstram que esse tipo de acordo facilita o hiperencarceramento, mazela que nós já enfrentamos no país. Esse tipo de medida, na realidade brasileira, pode vir a aprofundar isso”, enfatizou Ricardo André.

Ele salientou que uma ideia que ganhou força nos últimos anos, de que a prisão é a solução dos problemas de segurança pública no Brasil, é reforçada pelo projeto do MPF.

“Ao longo dos últimos anos vemos aprofundar a ideia de que o direito penal e o poder punitivo tem sido a vanguarda para qualquer solução de problema no Brasil. Quando se pensa o que pode ser feito a curto prazo, imediatamente a proposta é aumentar a pena, recrudescendo a legislação penal. Mas esse recrudescimento não é focado e não é voltado exclusivamente ao crime de colarinho branco”, reforçou o defensor.

E completa: “Não há uma proporcionalidade direta entre o aumento do aprisionamento e a melhoria da segurança pública. Portanto, o direito penal é impotente para solucionar isso, muito embora ele tenha servido de resposta a certos clamores populares. Estamos diante de uma proposta que, claro, tem o clamor popular, mas que não tem embasamento científico que possa comprovar a eficácia dessas medidas”.

Sem debate

Segundo ele, a proposta do “acordo penal”, assim a maioria dos pontos do projeto, entra de forma genérica, “enxertado num projeto que continua a ser tratado, pela opinião pública, como ‘10 medidas contra à corrupção’, mas que terá efeito sobre toda a sociedade”.

Ele cita como exemplo o caso da medida sobre o caixa dois, tão alardeado pela imprensa como se fosse a única questão importante do projeto.

“Me parece que da mesma maneira que o MPF se apoiou em dois milhões de assinaturas de forma demagógica, agora parte dos parlamentares que pretendem aprovar o projeto também age de maneira demagógica nessa campanha publicitária do MPF. Mostra como isso passa para a população de modo nebuloso”, declarou.

Marketing

Para o defensor, o projeto conseguiu as supostas assinaturas numa clara campanha de marketing que se arvora em dizer que tem o apoio popular. “Mas o pacote é vendido de forma silogística, ou seja, se você é contra a corrupção você é a favor do pacote de medidas que está sendo proposto. Não se trata nem de 10 medidas e tão pouco se restringe ao combate à corrupção… E o que foi aprovado na comissão, também não tem mais nenhuma vinculação daquela ‘vontade popular’ supostamente contida pelas assinaturas. Já não havia antes e, agora, esse distanciamento está ainda maior e se evidencia cada vez mais porque essa parte do acordo penal não constava sequer no projeto original”, enfatizou.

Ricardo André defende que tais mudanças não devem ser discutidas no “afogadilho e de maneira nebulosa”, como propõe alguns deputados e o próprio MPF.

“Isso é irresponsável”, disse ele, que defende que medidas que modificam o Código Penal e o Código Processual Penal sejam levadas para as respectivas comissões que já existem no Congresso Nacional.

Caixa dois

Sobre o caixa dois, o substitutivo de Lorenzoni manteve a previsão de multa de 5% a 30% do fundo eleitoral para o partido beneficiado, com o argumento de que uma multa alta poderia inviabilizar as agremiações. Mas a proposta que circula no congresso é de anistia, nas esferas penal, civil e eleitoral. O documento, sem assinatura, circula desde a madrugada desta quinta nos corredores da Câmara.

Também ficou de fora do projeto, mas por iniciativa do relator após acordo com o próprio MPF, a possibilidade de juízes e promotores serem processados por crime de responsabilidade.

O relator manteve a transformação de corrupção que envolve valores superiores a 10 mil salários mínimos em crime hediondo; e o escalonamento de penas de acordo com os valores desviados.