Humberto Alencar: O futebol e a simpatia pelo desconhecido

Adolescente, eu adorava jogar futebol de botão. Aprendi com meus amigos de rua, em São Paulo. Tinha chegado recentemente do Ceará e comecei a me envolver com o futebol de forma apaixonada, como qualquer criança que vivesse em São Paulo em meados dos anos 1970. Meu pai trabalhava como desenhista-projetista na Sadia, um frigorífico catarinense que hoje faz parte da Brasil Foods. Trabalhou com pessoas de Chapecó. Eram torcedores da Chapecoense, o time da cidade fundado em 1973.

Por Humberto Alencar

Escudo da Chapecoense, resgatado do acidente aéreo na Colômbia

Foi por meio do futebol que passei a conhecer a geografia de Santa Catarina. Criciúma era a terra do carvão, Concórdia e Chapecó eram a terra do porco. Blumenau e Joinville tinham indústria têxtil. E seus times refletiam essas realidades. Enfim, o futebol servia para matar a minha curiosidade de conhecer, a partir da minha escrivaninha, o que existia em lugares como Dortmund, Manchester e Chapecó. Futebol é coisa do povo.

A partir de 1977 passei a acompanhar de longe esse time. Naquela época era assim, cada um torcia para o time do seu estado e para um outro em algum outro estado brasileiro. O meu, em Santa Catarina, era a Chapecoense.

Décadas depois, o futebol brasileiro sofre com a elitização proporcionada pela mercantilização do esporte. A extinção da lei do passe destroi os times menos ricos, endivida os mais ricos, transforma os gigantes em nanicos e imbeciliza jogadores e torcedores. A Chapecoense vira e mexe fecha, abre, joga, cai para a segunda divisão local, volta. Como tantos outros clubes pequenos, vive momentos difíceis.

Talvez por ter uma torcida, ser o único time da cidade e ela ter poder financeiro, baseado em uma grande indústria, o time foi recentemente resgatado pela burguesia, pelo povo, pelos trabalhadores da indústria e do comércio. É o time da cidade, oras. Campeã catarinense em 2009, disputa a quarta divisão do Brasil naquele ano e sobe para a terceira divisão. Em 2012 sobe para a segunda divisão do Brasil. 

Dentro do meu universo, aquilo foi suficiente para que eu procurasse mandar fazer um time de botão da Chapecoense. Por que não? O futebol de mesa virou um esporte recreativo a partir de 1988, reconhecido pelo estado brasileiro. Surgiram federações em vários estados, clubes de massa criaram departamentos. Hoje, clubes como Corinthians, Palmeiras, Vasco da Gama, Flamengo, Fluminense, America do Rio, Botafogo, Sport Recife, Santa Cruz, têm o futebol de mesa entre as atividades que praticam.

Como minha diversão predileta é o futebol de mesa, acabei jogando muito com o campeão catarinense de 2011. Daí, por incrível que pareça, a Chapecoense foi "Campeã Paulista" em 2012, tanto no campeonato individual quanto no campeonato entre clubes.

Hoje acordei com a notícia da tragédia na Colômbia. Vi torcedores da Chapecoense chorando lá em Medellin. Lembrei dos colegas jornalistas, Victorino Chermont e Deva Pascovici, que conheci brevemente em algum estádio no passado, durante o trabalho. Ouvi que entre os mortos estava Mário Sérgio, um jogador dos anos 1970 de extrema habilidade, um bom técnico e um ótimo comentarista. Campeão Intercontinental pelo Grêmio em 1983. Técnico do meu time no início dos anos 1990. Engoli o choro. Lembrei dos jogadores que vi jogar recentemente na Arena Corinthians, no empate contra meu time. Agora mortos.

Lembrei da tragédia do Torino e do Manchester United. Ambos os times tragados por acidentes semelhantes. Eu queria muito que a Chapecoense entrasse para a História como um clube brasileiro que conquistara a Copa Sulamericana em campo, em sua casa, contra o Atletico Nacional de Medellin. Mas não foi assim. A tristeza é imensa. Minha simpatia pela gente da Chapecoense, pela cidade que nunca vi, e por gente de lá que nunca conheci, é maior. O futebol não é só um jogo.