Martonio Mont’ Alverne: Mais um golpe

"uízes e Ministério Público não podem e não devem fazer política porque não têm voto. Simples. Por isso que possuem garantias como inamovibilidade, vitaliciedade. Se quiserem fazer política, que sigam o bom exemplo do atual governador do Estado do Maranhão, Flávio Dino, que abandonou a toga federal e foi às ruas procurar votos: amargou derrotas, e hoje governa um Estado".

Por *Martonio Mont’ Alverne

judiciário

No domingo retrasado, o Brasil viveu o inusitado, ainda que em menores proporções: grupos protestando contra si próprios e contra o que fizeram num passado recente, além de um dos Poderes da República a desafiar abertamente os outros dois Poderes. Bem que Hannah Arendt advertiu que depois do holocausto o homem provou ser capaz de qualquer coisa. Quem pensava ter visto tudo na vida, deve ter ficado na sadia contemplação sobre os perigos da mistura de ignorância com manipulação e obscurantismo. A discussão sobre a responsabilidade de juízes e membros do Ministério Público ao invés de ser encarada com elemento básico de uma república, passou a ser vista como afronta em desfavor de juízes e membros do Ministério Público.

Embora esteja na nossa Constituição – que pouco ou quase nada vale atualmente – e em qualquer texto de teoria da democracia, quem faz política é quem tem voto, quem disputa eleições, quem se expõe e quem é eleito pelo voto direto do povo. Juízes e Ministério Público não podem e não devem fazer política porque não têm voto. Simples. Por isso que possuem garantias como inamovibilidade, vitaliciedade. Se quiserem fazer política, que sigam o bom exemplo do atual governador do Estado do Maranhão, Flávio Dino, que abandonou a toga federal e foi às ruas procurar votos: amargou derrotas, e hoje governa um Estado. O que é inadmissível é que juízes e Ministério Público não aceitem cobranças sobre sua responsabilidade, como se fossem infalíveis. Não são santos nem demônios: são mulheres e homens como nós, portanto sujeitos às falhas. Qualquer servidor público pode ser chamado à responsabilidade de seus atos. Os chamados agentes políticos prestam contas do que fazem quase todos os dias, e a realidade dos últimos tempos confirma tal aspecto. Qual a razão de excluir-se juízes e o Ministério Público da avaliação de suas responsabilidades? O desejo de que magistrados e Ministério Público vejam-se imunes à apuração de responsabilidade só pode ser explicado pela distorcida ideia de uma sociedade patrimonialista, que resiste à igualdade de todos perante a lei e à modernização da impessoalidade nas relações no interior do Estado.

É desalentador quando se constata que o Poder Judiciário e o Ministério Público, também responsáveis pela democracia de todos, são os primeiros a atacá-la. E ousam ir às ruas para defender seu ataque. Uma verdadeira tragédia vivermos tantos golpes em tão curto tempo.

*Martonio Mont’ Alverne é presidente do Instituto Latino-Americano de Estudos em Direito, Política e Democracia (ILAEDPD)

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