Penélope Toledo: Não é só futebol

União de rivais na solidariedade à Chapê, menino com máscara de oxigênio no estádio para ver o título do Palmeiras, torcedor/a colorado que vai acompanhar o clube na Série B, afegão que improvisou com plástico a camisa de Messi, lágrimas na despedida de Formiga, torcidas de clubes que nunca foram campeões. Definitivamente, não é só futebol. É muito mais forte.

Por  Penélope Toledo*

atanásio girardot chapecoense

Eu tinha seis anos. Final do Paulistão, Corinthians x Guarani, Campinas. Via o jogo pela TV, mas dava para ouvir, de casa, os cantos das torcidas. Aquilo me arrepiava. Eu não entendia de futebol, mas sentia que o que estava acontecendo era muito importante. Me identifiquei com aquela massa apaixonada e, como que por encantamento, me via parte de sua festa. Sim, eu era Corinthians. Não é só futebol, é identidade.

Um ano mais novo, o jovem afegão Murtaza conquistou o mundo ao improvisar a camisa do argentino Messi com um saco plástico escrito, à caneta hidrográfica, o nome e número do jogador. Foi tão tocante, que o craque quis conhecer pessoalmente o garoto e presenteá-lo com uma camisa de verdade. Serelepe, o afegãozinho não desgrudou de seu ídolo. Não é só futebol, é alegria.

Outro menino comoveu o país: o palmeirense Murilo, de 9 anos, levado ao Allianz Parque na corcunda do pai, que carregava nas mãos a máscara de oxigênio e o respirador do filho. Momentaneamente alheios à enfermidade do jovem palestrino, pai e filho vibraram de perto com a conquista do eneacampeonato brasileiro do seu clube do coração. Não é só futebol, é libertação.

Na outra ponta da escala de sentimentos, cerca de 5,5 milhões de colorados viram, com lágrima nos olhos e nó na garganta, o Internacional ser rebaixado para a Segunda Divisão do Campeonato Brasileiro. E no dia seguinte, mais de 600 torcedores se associaram ao clube, num claro recado de que estão com o Colorado em qualquer situação. Não é só futebol, é paixão incondicional.

Paixão também foi o que moveu Miraildes Maciel Mota, a jogadora Formiga, em seus mais de 20 anos dedicados aos gramados. Recordista de atuações pela Seleção Brasileira, a craque pendurou as chuteiras, nos deixando meio órfãos. Se despediu em seu melhor estilho: com título. Na conquista do Torneio Internacional de Manaus, contra a Itália, foi merecidamente ovacionada pela torcida. Não é só futebol, é emoção em alta potência.

A rivalidade foi expulsa de campo diante da tragédia que abalou o mundo. Dentro e fora do Brasil, torcedores de inúmeros clubes se uniram para ajudar e prestar homenagens à Chapecoense, cujo time quase inteiro morreu em desastre aéreo, juntamente com a comissão técnica e jornalistas. Oponentes nos gramados, unidos na dor. Não é só futebol, é irmandade.

Muito além dos grandes centros midiáticos e arenas multiusos, há um futebol que também move paixões e devoção. À sombra dos holofotes e à margem dos investimentos milionários, alguns clubes nunca foram campeões, mas ainda assim, seus torcedores seguem fieis, campeonato após campeonato, na esperança de um dia erguer a taça. Não é só futebol, é crença.

São apenas algumas poucas evidências, dentre milhares que alimentam a certeza de que essa coisa mágica, fascinante e inexplicável não pode ser definida em uma única palavra – futebol. É mais. É amor, é sonho, é religião de janeiro a janeiro, é coração, é alma, é pulsação, é parte indelével das nossas vidas. Só mesmo sentindo para entender.