Fifa testa eletrônica "para não dar certo"

Em janeiro de 2008, o então prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab (na época no Dem), anunciou na imprensa que faria um teste na Avenida 23 de Maio, uma das artérias mais importantes da cidade, para separar o fluxo de carros de passeio e motocicletas. O intuito era evitar acidentes, muitas vezes fatais, e estudar a implantação de novas faixas exclusivas para os veículos de duas rodas em outras vias paulistanas.

Por Humberto Alencar*

Gol de Lampard, da Inglaterra, contra a Alemanha, na Copa de 2010

O teste, tocado pelo CET – comandado por Alexandre Moraes, então secretário de Transportes e hoje ministro da Defesa –, revelou-se um fracasso total, com o congelamento do tráfego na avenida e, dias depois, a eliminação da faixa e de novos testes.

Por que falo de tudo isso se o assunto do título é o teste que a Fifa fez no último campeonato mundial de clubes, disputado no Japão e vencido pelo clube espanhol Real Madrid Club de Futbol?

Porque o tal teste viário tinha tudo para ser um fracasso total, pois reservava uma faixa inteira de rolamento, diminuindo o escoamento dos veículos de quatro rodas, quando o espaço requerido pela motocicleta para trafegar poderia ser reduzido de 3,3 metros para 1,6 metros.

E o mesmo pode-se dizer do teste feito pela Fifa no Japão. A forma como foi aplicada a tecnologia do replay provocou mais polêmica. E revelou que não foi feito nenhum estudo sério anterior de como aplicar a televisão e o replay, para que o árbitro pudesse avaliar de forma mais isenta e segura o que havia acontecido no jogo.

A aplicação de eletrônica no futebol é um pedido antigo. Nesse sentido, o futebol é um dos esportes que menos evoluiu. Se tomarmos como exemplo o Futebol Americano, veremos que os estadunidenses começaram a aplicar recursos de vídeo para analisar as jogadas a partir do fim da década de 1960.

Esportes como Beisebol, Hockey no gelo, Voleibol, Basquetebol e Tênis já utilizam os recursos eletrônicos. O futebol passou a utilizar chips para identificar se a bola entrou ou não, no lance capital do esporte que é o gol, só recentemente, no Mundial de Clubes de 2012.

No caso recente, algumas pixotadas foram cometidas porque não foi feito um trabalho anterior com os árbitros, que chegaram 5 dias antes do ínicio da competição, nem também um estudo sobre como aplicar os novos recursos.

Tudo cheirando ao que aconteceu com a famigerada faixa de motocicletas em São Paulo. Alguém da Fifa pode vir a público anunciar que os testes não terão sequência porque o uso da tecnologia é insatisfatório e compromete o espetáculo. Surpresa? Não, pois a Fifa tradicionalmente sempre se posicionou contra o uso de auxílios eletrônicos.

No mesmo mundial, na partida entre o Atlético Nacional, da Colômbia, e o Kashima Antlers, do Japão, o árbitro demorou 45 segundos para assinalar um pênalti contra o clube sul-americano. Mas não chegou a observar que, no início da jogada em que foi feito o pênalti, o jogador japonês estava em impedimento.

A polêmica prosseguiu na estreia do Real Madrid na competição, em partida contra o América do México. O clube espanhol venceu por 2 a 0 mas o desastrado sistema criado para auxiliar o árbitro o enrolou ainda mais.

Cristiano Ronaldo fez o segundo gol do Real nos acréscimos da etapa final. O atacante português estava em posição legal e tocou na saída do goleiro para fazer 2 a 0. Primeiro, o árbitro paraguaio Enrique Cáceres confirmou o gol. Mas ficou em dúvida, e pediu ajuda ao Árbitro Assistente de Vídeo (VAR, na sigla em inglês). Em seguida, fez o sinal de um quadrado com as mãos, mostrando que havia recebido informação do árbitro de vídeo e anulou o gol, apontando impedimento de Cristiano Ronaldo.

O auxiliar, porém, já tinha corrido para o meio de campo. O jogo recomeçou, com o América batendo a falta. E o juiz, de novo, interrompeu a partida. Informado novamente pelo ponto eletrônico, Cáceres voltou a validar o gol do Real Madrid, em decisão, desta vez, acertada.

Esses contratempos irritaram torcedores e jornalistas. Os detratores da ajuda eletrônica cairam matando no pobre VAR. As redes sociais se entupiram de comentários dos que acreditam ainda na "pureza" do futebol, no sentido de que erro de árbitro é "algo normal" e "é bom porque a polêmica faz bem ao futebol".

Caso a Fifa tivesse feito um trabalho sério, antes de introduzir o malfadado sistema, teria no mínimo aplicado a experiência de outros esportes que utilizam auxílio eletrônico.

Cito, por exemplo, o futebol americano.

Quando há um tento, os árbitros assinalam, mas têm de esperar o veredito de outros árbitros, reunidos em uma sala distante do local do jogo. Eles analisam se houve alguma irregularidade na jogada. Em havendo, ela é apontada e a partida segue seu curso, com o tento sendo anulado. Isso não demora mais que um minuto, tempo gasto pelos futebolistas para reclamar da infração apontada – ou não – pelo árbitro.

Os técnicos dos times podem desafiar uma decisão do ábitro da partida. Esse desafio tem limite de número, dois por tempo, mas se o técnico desafiante tiver sucesso, nos dois regulares, ganha um desafio extra.

É claro que a dinâmica do Futebol Americano é bem diferente da do futebol. Mas aí há algumas similaridades que podem ser utilizadas no futuro. Uma necessidade será a de ter árbitros de cabine, que analisarão as jogadas, seus replays, a partir de salas com todos os recursos televisivos possíveis.

Por exemplo: um time faz o gol. A partir desse instante, árbitros de cabine analisam o replay da jogada e avisam o árbitro da partida que o gol foi, ou não, legal. Se foi legal, segue o jogo. Caso haja irregularidade, como um impedimento, é assinalada. Isso faria desaparecer o famigerado gol impedido. Isso também não consumiria tanto tempo da partida.

Um outro recurso é dar ao capitão de um time a possibilidade de "desafiar" a decisão do árbitro. Imediatamente após o lance em que ele considere ter havido uma irregularidade, ele pode pedir ao árbitro a revisão da decisão. Exemplo disso é o pênalti não assinalado. O jogador desaba na área, grita, mas o árbitro diz que não houve nada e manda seguir o lance. O capitão do seu time pode desafiar essa decisão e os árbitros de cabine terão de ver o replay. Se o pênalti de fato existiu, será marcado. Se não existiu, o árbitro assinala tiro livre indireto para o adversário de onde a bola parou no momento em que o capitão desafiou.

Para evitar que um time utilize esse recurso de forma antidesportiva, basta limitar o número de desafios que cada equipe poderá pedir. Dois por exemplo. Quantos lances polêmicos existem por partida? Difícil de dizer, mas não chegam a cinco, quanto mais uma dezena. Dois desafios por tempo seriam suficientes demais para assinalar um pênalti, invalidar um gol impedido ou evitar a expulsão do jogador errado. Agora, se o desafio foi correto, conserva-se o limite de dois pedidos.

Os recursos existem. Outros esportes utilizam com facilidade e conseguiram eliminar decisões desastrosas dos árbitros que poderiam mudar o curso das partidas. Certamente esses recursos não interessam às máfias que corrompem árbitros e jogadores ao redor do planeta, manchando o esporte mais querido dos terráqueos.

Só falta a Fifa ter, de fato, vontade para inserir de vez e com competência o auxílio eletrônico no futebol. Assim, acabarão as lamúrias dos derrotados pelos erros de arbitragem, ou as acusações de que a equipe líder do campeonato só está ali por ajuda do famigerado "apito amigo".