Documentos comprovam: Comunistas cearenses eram monitorados pela CIA

A divulgação dos documentos que reúnem mais de 11 mil arquivos da Agência Central de Inteligência Americana (CIA), liberados na internet na última semana, trouxe uma certeza para aquilo que já se imaginava.

Documentos comprovam: Comunistas cearenses eram monitorados pela CIA

A espionagem americana era e é atuante no Brasil e, dentre informações sobre geografia, política, infraestrutura e até religião, a agência americana guardava informações e citava nominalmente alguns cearenses, dentre eles Carlos Augusto Diógenes, o Patinhas, militante comunista desde os anos 1960 e atual membro do Comitê Central do PCdoB.

Em entrevista ao caderno cearense do Portal Vermelho, Patinhas comenta como recebeu a confirmação de que seus passos eram acompanhados pela CIA. “A gente imaginava sim, pois naquela época o Movimento Estudantil do qual fazia parte era protagonista na luta pela democracia no país. Creio que meu nome, como os de outros companheiros que também militavam, veio deste atuante engajamento”.

A força do Movimento Estudantil

Patinhas filou-se ao PCdoB ainda em 1966 e, junto com outros estudantes, ajudou a organizar o Comitê Universitário da UFC. “Em 1967, ganhamos a eleição do DCE, com o João de Paula, já fruto do trabalho de organização do Partido, através das células comunistas. O Ceará era o único estado onde o PCdoB era força hegemônica dentro da Universidade. Essas citações devem fazer parte dos processos envolvendo prisões de várias pessoas no Ceará, no período de 1972 e 1973. Além disso, naquela época, dentro da Universidade, haviam os chamados ‘dedo duro’, que faziam as delações”, considera.

O Movimento Estudantil no Ceará tinha expressão grande de massa, com forte ligação com a “estudantada”. “Para se ter uma ideia, com a queda do Congresso da UNE em Ibiúna, em 1968, a única capital que realizou manifestação de protesto foi Fortaleza”, recorda Patinhas. Naquele período, projetaram-se grandes lideranças, como João de Paula, José Genoíno, Bergson Gurjão, Mariano Freitas, Sérgio Miranda, Ruth Cavalcante, Arlindo Soares, Galba Gomes, dentre outros. “O Movimento Estudantil realmente chamava atenção por sua força e organização”.

Naquele ano de 1968, recorda Patinhas, o Movimento Estudantil entrou na fase de radicalização, após a morte de Edson Luis. “Surgiram várias lideranças, de âmbito nacional, dentre elas Luis Travassos, Honestino Guimarães e Mota Machado, da Ação Popular (AP); José Dirceu e Waldimir Palmeira, da dissidência do PCB; José Genoíno, João de Paula e Helenira Rezende, do PCdoB. Claro que a CIA acompanhava a ação do Movimento Estudantil, considerado a principal resistência ao golpe”, ratifica.

Interferência americana

Segundo o dirigente comunista, os Estados Unidos acompanhavam e recebiam estas informações por muitos meios, e tinham grande interesse em interferir na soberania dos países. “Na época já se denunciava esta violação. Vários historiadores e cientistas sociais mostravam a participação dos Estados Unidos em golpes, naquele do período da Guerra Fria, início de 1952. O historiador Muniz Bandeira cita a trajetória de agressões e golpes dos Estados Unidos baseados na coleta de dados de inteligência fornecidos pela CIA como no Irã (1953); Guatemala, Paraguai e Tailândia (1954); Laos (1958); Congo e Turquia (1960). Com a Revolução Cubana, em 1959, o foco voltou-se também para a América Latina, com o golpe no Brasil (1964), Chile (1971), Argentina e outros países”.

Para Patinhas, no Brasil, esta ação da CIA, de suporte e fornecimento de dados de inteligência para expansão americana, é anterior, já em 1954, com a crise que culminou no suicídio de Getúlio Vargas, “presidente nacionalista que contrariava interesses americanos”. Em 1962, acrescenta, a Agência para o Desenvolvimento Internacional (Usaid) buscou minar as bases camponesas, no Nordeste, que poderiam resistir em defesa da reforma agrária. O Instituto de Pesquisa de Estudos Sociais (IPES) era outro braço americano para coleta de informações, envolvendo intelectuais, com estudos, palestras e publicações. “Fizeram contato com a imprensa e aproximaram-se da Escola Superior de Guerra, a inteligência das Forças Armadas no Brasil. A ação de espionagem americana por aqui era muito grande”, considera.

Patinhas também cita o Instituto Brasileiro de Ação Democrática (Ibad) que, nas eleições de 1962 financiou muitos parlamentares da direita. “Fala-se em dezenas deles, com o compromisso de defenderem a participação do capital estrangeiro no Brasil, condenação à reforma agrária e a uma política externa independente”, enquanto a Associação Democrática Parlamentar (ADP), organização ligada ao interesse norte-americano no sentido de atuar junto à classe média, para efetivar o golpe. “Eles atuavam junto à mídia, envolvendo a Rede dos Diários Associados, a Revista Manchete, o Estadão e já, no início de 1964, o Correio da Manhã e o Jornal O Globo. João Goulart ficou apenas com o Última Hora, único jornal de defesa do governo”.

Ofensiva que segue

Patinhas considera que esta ofensiva do império americano, através de espionagem, não termina com o fim da Guerra Fria. “Ela visa atender os interesses do complexo industrial, militar e financeiro dos Estados Unidos e, para isso, tem que estar sempre desenvolvendo guerras para manter sua indústria armamentista, que conta com 800 bases militares no mundo. Hoje há a informação sobre a atuação de hackers, denunciada por Julian Assange e Edward Snowden, que abriram o esquema de espionagem americana”. O comunista cita a participação americana no golpe contra Dilma; o interesse no pré-sal, a maior riqueza do país, e o enfraquecimento da Petrobras, que era sua única operadora. “A confirmação oficial só saberemos com a divulgação dos documentos da CIA daqui a trinta anos”.

Mais

Os documentos divulgados pela CIA têm mais de 11 mil arquivos com 12 milhões de páginas e estão disponíveis na internet.

Os arquivos vão dos anos 1940 à década de 1990, mas Patinhas é citado em relatório secreto datado de 1973.

O banco de dados pode ser acessado AQUI.