Valdemar Menezes: Naufrágio neoliberal

Donald Trump iniciou o cumprimento das promessas de campanha: já inviabilizou o Tratado Transpacífico (TTP), ameaça fazer o mesmo com o Nafta (Tratado Norte-Americano de Livre Comércio), deu ordem para a construção do muro que separará EUA do México, liberou a construção de oleodutos sobre terras indígenas, reduzindo a pó a legislação ambiental.

Trump, durante um evento em Nova York

Os EUA estão começando a impor, a partir de seus interesses nacionais, um ajuste no capitalismo mundial, cuja versão neoliberal, iniciada nos anos 70 e 80 por Margareth Thatcher e Ronald Reagan, que defendia o “livre comércio”, a autorregulação dos mercados, livre fluxo dos capitais, globalização da produção, Estado mínimo, políticas de austeridade e desregulação trabalhista, naufragou. O modelo gerou, desde 2008, a mais devastadora crise econômica mundial da atualidade, fragilizando os EUA e o próprio sistema capitalista. Só faltou avisar ao Brasil, que acaba de fazer sua opção por ele.

O trumpismo quer estancar a transferência de empresas americanas e de seus empregos para outros países, que vinha gerando uma desindustrialização interna perigosa e atrasando o desenvolvimento tecnológico. A Rússia, hoje, teria o exército mais poderoso (não o mais numeroso) do mundo, em termos tecnológicos, com um sistema de mísseis (o que vai valer no caso de uma III Guerra Mundial) capaz de dar de goleada nos americanos. E o Pentágono já não teria condições de manter um sistema de segurança, na Ásia, ao surgir uma China poderosa que ocupa todos os espaços vazios.

A palavra de ordem, no governo Trump, é concentrar todas as energias na recuperação da indústria americana. Enquanto isso, ganhar tempo, formatando uma nova configuração geopolítica que possa dividir o bloco adversário. Tentará atrair a Rússia para conter a China. Uma missão quase impossível, a menos que uma quinta-coluna interna derrube Putin (hoje com mais de 80% de aprovação popular). A exaustão do modelo neoliberal capitaneado pelo capital não produtivo (especulativo), que só tem trazido estagnação econômica, desigualdade social, desemprego e concentração da riqueza nas mãos de poucos, repercute no campo social e político, provocando rejeição eleitoral crescente aos partidos que o encamparam (seja à direita ou à esquerda), visto que ambas aplicaram a mesma receita recessiva, na Europa e EUA.

Com isso, as esquerdas europeia e americana se desmoralizaram, abrindo brechas, para a extrema direita e sua retórica de criminalização da política. No seu rastro o descrédito da democracia representativa e suas instituições. Ao mesmo tempo, aponta-se às massas “bodes expiatórios” (imigrantes, gays, minorias étnicas, com cada país escolhendo seu próprio “judas” para malhar). Essa é a forma de tirar o foco das reais causas das desgraças que pesam sobre o povo. Foi nesse caldo de cultura que brotaram o Brexit, a eleição de Trump, o crescente nacionalismo de direita e o isolacionismo, por conta da rejeição popular a uma globalização beneficiária apenas dos ricos.

A História, agora, faz jus aos governos brasileiros que tentaram construir um projeto nacional, como Getúlio Vargas, João Goulart, Lula e Dilma Rousseff. Todos derrubados ou perseguidos pelo conluio entre as forças predatórias internacionais (sobretudo Washington) e as elites subalternas brasileiras, beneficiárias das migalhas que sobravam do banquete dos seus amos estrangeiros. Os defensores da entrega do patrimônio nacional, em nome da globalização neoliberal, estão com “cara de tacho”, após o chute no traseiro dado por Trump. Veja-se a humilhação que recai hoje sobre o México: depois de entregar tudo, até a soberania, ainda é avacalhado publicamente pela Casa Branca. Os entreguistas brasileiros e atuais golpistas, entretanto, vinham defendendo que o Brasil seguisse o modelo mexicano.

Dilma caiu como parte da estratégia americana para enfraquecer o Brics (o bloco de países que escolheram o caminho de não-subserviência). Antes, a presidente foi espionada descaradamente, assim como as empresas estratégicas brasileiras. Era preciso também esvaziar a liderança do Brasil na América do Sul. Faltava subtrair-lhe o patrimônio nacional restante para que ficasse sem margem de manobra perante Washington. Isso, Pedro Parente e José Serra estão providenciando primorosamente. Enquanto os golpistas extinguiram a política de conteúdo nacional, criada por Lula para fortalecer a indústria brasileira, Trump faz o contrário: baixa decreto obrigando que os fornecedores do grande projeto de oleoduto a ser construído pela Energy Transfer, nos EUA, sejam exclusivamente empresas nacionais estadunidenses. Enquanto os entreguistas ficam de cara no chão, crescem as figuras de Lula, Dilma, Jango e Getúlio por encarnarem a defesa do projeto nacional soberano, sempre traído pelos vassalos de Wall Street.