Lu Castro: Das lutas que nos fortalecem

A sexta-feira prometia festa regada ao bom e velho churrasco e à cerveja gelada no boteco da esquina. Festa para comemorar a chegada próxima do filho da amiga. Mas a sexta amanheceu esquisita. Um peso no corpo que não concatenava com o bafo que vinha do céu poluído e nos encarcerava junto com o bafo do asfalto. Era mais que isso.

Os movimentos trocaram experiências das lutas locais que têm levado a cabo

Já havia me prometido que pegaria leve, que abriria os trabalhos cedo para voltar cedo para casa e estar inteira no sábado especial. Nem deu tempo. Ao final da tarde me arrastava nos afazeres rotineiros. Corpo moído, calafrios, tosse, coriza. Foi em casa que fiquei, fazendo um pré tratamento da gripe que se avizinhava.

O grande dia chegou. O sábado especial tratava da reunião de coletivos de várias cidades no Primeiro Encontro Nacional do Coletivo Futebol, Mídia e Democracia no Barão de Itararé, no melhor centro de São Paulo que a gente respeita.

Pautas divididas, gente de coração enorme de vários lugares do país, cerveja gelada para molhar as palavras e debates importantes. Chegamos eu e Aira Bonfim para tratar do futebol feminino.

Confesso que esperava por mais presenças, mais representatividade, afinal, a modalidade sofre um tanto para se estabelecer e a ausência de pessoas ligadas a ela, deixa um vácuo nos assuntos que por ventura ficaram sem espaço em razão do tempo de exposição e debate.

Nem por isso houve menos envolvimento dos presentes quando o futebol das mulheres – e as mulheres do futebol – foi colocado na roda. É muito fácil identificar todas as mazelas que envolvem o futebol feminino, afinal, são casos e mais casos que ganham as manchetes, e, infelizmente, mais do que as conquistas e boas notícias que nos salvam a alma.

Falamos dos casos mais gritantes dos últimos anos, como as atletas desmaiadas em razão do forte calor de Teresina e o horário escolhido para a realização de jogo do Campeonato BRASILEIRO! Este episódio ganhou o destaque negativo que sempre permeou a modalidade. Também relembramos todas as vezes em que uma partida de futebol feminino teve início sem a presença de ambulância, médico ou policiamento, o que é determinado pela Lei 10.671/03, o Estatuto do Torcedor.

Poderia me arrastar expondo todos os fatos que denotam a falta de cuidado e responsabilidade a que a modalidade está exposta. Mas não é o foco deste texto.

Ao final do Encontro Nacional, publicamos uma carta com as demandas de todas as pautas e já começamos a pensar na agenda de lutas para este ano.

Para o futebol feminino, definimos: “Fortalecer e amplificar a luta pelo futebol feminino, promovendo debates e atividades com a presença de mulheres que atuem no campo do futebol feminino, sejam atletas ou profissionais de gestão, para integrá-las às discussões e lutas da categoria”.

E volto a bater na tecla da conscientização das atletas sobre a categoria a que pertencem por diversas razões, entre elas, a total falta de respeito e descumprimento das leis que permeiam o futebol apenas quando se trata do futebol das mulheres.

Exemplo mais recente de desleixo com a modalidade aconteceu hoje, segunda-feira, 20 de fevereiro: O calendário de competições femininas e de base foi publicado no dia 16 de novembro de 2016, já com o Brasileiro Série A1 agendado para início em 12 de março.

Entretanto, a tabela e o regulamento, que devem ser publicados até 60 dias antes do início da competição, segundo previsto no artigo 9º da Lei 10.671/03 – Estatuto do Torcedor, foi liberada hoje pela CBF, ou seja, a menos de um mês do início da competição.

Pode parecer bobagem, mas são nos detalhes do tratamento que se revela o grau de importância de um grupo, de uma pessoa, de um assunto. E é neste mesmo detalhe de tratamento, que a gente se fortalece, que ratifica a importância de permanecer firme na luta e na necessidade de criar uma unidade em torno do assunto futebol feminino.

A gripe foi embora, Oxalá! E outras doenças também irão, inclusive a do machismo. Para isso, o remédio é a união, é a luta, é a consciência de sua própria importância para andamento do processo. A agenda está sendo trabalhada e em breve rola convocação. É hora de parar de reclamar e fazer acontecer.

*Jornalista, autora do blog Futebol para Meninas e colaboradora do Museu do Futebol para assuntos de futebol feminino