Lu Castro: Manda um futebol feminino no capricho, por favor?

O prato principal do banquete do futebol feminino brasileiro nas últimas semanas, é a obrigatoriedade dos times masculinos em ter uma equipe feminina. Já discorri sobre o assunto e aponto a iniciativa como falaciosa.

Por Lu Castro, no Ludopédio

Oito atletas vieram de fora do estado para jogar pelo time feminino do Santa, mas ficaram sem receber - Superesportes

O envolvimento dos clubes de camisa com o futebol feminino começa a ser desenhado na Lei do Profut, que, sem requerer prática ou habilidade, pode ser consultada e verificada o quão rasa é quanto à modalidade. O futebol feminino é citado uma vez e abre de modo confuso de onde virão os recursos para o “investimento” no futebol das mulheres.

Vou no popular: É chinfrim! É como aquela comida servida sem tempero, sem o carinho no preparo.

No momento seguinte – coisa de pouco mais de um ano depois – temos a determinação da FIFA, Conmebol e a CBF em sua licença de clubes mais recente, para que os clubes tenham equipes femininas participando de competições e com categoria de base feminina, sendo a palavra “idealmente” utilizada em alguns momentos.

Eis o cardápio da Lei do Profut e da Licença de Clubes (com foco no futebol feminino)

Print Lei do Profut.

Gosto de usar a palavra certa para cada coisa. Investimento mínimo pode ser qualquer coisa, um par de meias, inclusive. Idealmente também aparece no texto de modo muito interessante. Idealmente, para investimento na modalidade, pode ser qualquer coisa dentro do que é ideal para o clube de camisa que se vê na obrigação de inserir o futebol das mulheres em seu quadro de esportes.

Então, voltando às palavras certas para as coisas, tratemos de falar de desenvolvimento e efetivamente.

Desenvolvimento implica muito mais que investimento. Implica em responsabilidade para inserir um projeto que vá atuar em alto rendimento. O clube de camisa que disputa o Brasileirão, não necessariamente terá uma equipe feminina em condições de competir em alto rendimento com uma equipe já estabelecida na modalidade.

Eu aposto com quem quiser, que teremos, como sempre, jogos difíceis de assistir em razão dessa diferença bizarra de estrutura, preparo, conhecimento e envolvimento com o futebol que as mulheres jogam.

Desenvolvimento implica em abraçar um projeto de futebol feminino local, e participar efetivamente do que acontece com este projeto. Exemplo recente foi o ocorrido com o Santa Cruz. Em matéria do Superesportes, algumas jogadoras do Santinha expuseram a situação bizarra que estavam vivendo: ajuda de custo de R$ 250,00 mensais atrasada em 4 meses, sem alimentação adequada e em um alojamento em Olinda sem o mínimo de condição para abriga-las. A matéria pode ser lida aqui.

Após cobranças pesadas e constantes nas redes sociais, o Santa Cruz emitiu nota oficial, tendo, entre os tópicos abordados, os que levantaram mais indagações:

“9. O presidente Alírio Moraes sequer foi apresentado pessoalmente ao treinador da equipe, o senhor Farges Ferraz e nunca teve qualquer contato com sua comissão técnica ou com qualquer jogadora.
10. Todo o relacionamento das atletas se dava com os idealizadores do projeto. O Santa Cruz sequer dispõe de fichas, cadastros ou dados pessoais sobre as jogadoras.
11. O presidente Alírio Moraes não assinou contratos e não autorizou nenhum profissional do clube a assinar contratos com qualquer atleta de futebol feminino.”

A íntegra da Nota Oficial pode ser lida aqui.

Ora, como é possível que um clube autorize a utilização de sua marca por um projeto e desconhece os envolvidos? Como é possível um clube autorizar o uso de sua marca e não ter contato com as atletas ou, mais estarrecedor ainda, não ter a curiosidade de checar a documentação das jogadoras que estão defendendo a sua marca nas competições?

Mais exemplos? Temos vários! O São Paulo Futebol Clube também abraçou um projeto que deixou as atletas em situação financeira difícil. Atleta de seleção, inclusive! O “projeto” durou míseros seis meses mesmo tendo sido vice do Campeonato Paulista. Uma vergonha.

Em linhas gerais, o que temos visto do envolvimento dos clubes de camisa com o futebol feminino é resumido em colocar a camisa e, caso conquiste alguma coisa, alguém do alto escalão aparece para tirar foto. Se der errado, dizem que não sabem de nada.

Vários são os casos de irresponsabilidade e falta de capricho ao se introduzir equipes femininas em clubes de camisa nos últimos anos. Não se viu criar, além do Santos, uma modalidade estruturada com intenções de crescimento a médio ou longo prazo. Faz-se barulho utilizando os meios de comunicação local, com matérias que muitas vezes soam à chapa branca e no momento seguinte, o assunto congelou.

O verdadeiro fast food do esporte. Aquela alimentação muito meia boca que não produz nada além de futuros problemas de saúde.

E o argumento “agregar torcida” que tanto se defendeu? Alguém viu? Porque não vi um estádio com a presença que se esperava da torcida do time masculino em jogos do feminino. Ou seja, um equívoco.

Outro caso envolvendo clube de camisa que foi inserido no Brasileiro Série A1 em razão de sua classificação no Brasileirão de 2016, diz respeito à Ponte Preta. Conversas de bastidores indicam falta de sensibilidade, desconhecimento do universo das mulheres futebolistas e completo desrespeito com a vida dos profissionais da área. Em janeiro houve contato por parte do projeto que vestirá a camisa do alvinegro campineiro com algumas atletas, pedindo para que providenciassem exames e atestado. Nesta última quinta-feira, as atletas foram avisadas que o clube fechou parceria com outro projeto.

Resultado: atletas ficaram sem clube e não disputarão a ÚNICA competição nacional que restou. Soa como aquele inseto que premiou o prato de comida. Inadmissível!

Todos gostaríamos de saborear o futebol das mulheres carregando os escudos dos times tradicionais. Óbvio! Mas é preciso exigir além de respeito, cuidado ao lidar com as expectativas de atletas e gestores. É preciso ter responsabilidade e um mínimo de carinho ao absorver ao seu quadro de esportes, o tão marginalizado futebol feminino.

Enquanto isso, temos outros espaços preparando com carinho a próxima geração. A técnica da seleção, Emily Lima, tem renovado o sistema de convocação e avaliação, abrindo espaço para atletas de todas as regiões do país. As convocações são regionalizadas, com oportunidade de observação para as atletas que estão escondidas por aí.

Também tem trabalhado de modo integrado com as seleções sub-20 e sub-17, denotando o verdadeiro trabalho de coordenação técnica, a qual eu vinha cobrando desde que a seleção permanente foi implementada: orientação para um trabalho uniforme e liberdade de decisão aos técnicos das seleções de base.

E para finalizar, uma das realizações mais importantes da Federação Paulista sob a direção da Aline Pellegrino: 1º Campeonato Paulista de Futebol Feminino Sub-17 com 16 equipes, priorizando os que há anos batalham na formação de atletas.

A competição terá início no dia 11 de março, seguindo o formato do Paulista Feminino Principal. Uma grande conquista para a modalidade vinda pelas mãos de quem viveu, conhece todos os entraves e sabe muito bem como DESENVOLVER o futebol das mulheres.

Manda mais futebol feminino no capricho, por favor! Campeonato azedo e mal feito, nós dispensamos. É o tipo de coisa que não se oferece a ninguém!

*Jornalista, autora do blog Futebol para Meninas e colaboradora do Museu do Futebol para assuntos de futebol feminino