A “abertura ao mundo” de Macri aos olhos da Espanha

O mais recente discurso do deputado Íñigo Errejón (Podemos) no Congresso espanhol difundiu pelas redes sociais a percepção que muitos países têm sobre a Argentina.

Por Juan Manuel Karg*

Maurício Macri e rei Felipe da Espanha - AFP

O cientista político e parlamentar é um estudioso e conhecedor da política argentina, e citou um conjunto de contundentes argumentos para questionar o empresário que se tornou presidente: Panamá Papers, aumentos nos preços dos serviços públicos, cortes de gastos para os programas sociais e educativos, além da prisão arbitrária de Milagro Sala, questionada pela ONU, pelo Parlasul, Anistia Internacional e até pela Human Rights Watch e a OEA.

“Esse é dos seus”, disse Errejón, voltando-se à bancada do governista Partido Popular, ilustrando uma unidade que vem de longa data. Críticas como essas fazem com que o Podemos (o segundo partido na preferência dos espanhóis, em todas as pesquisas, atrás do próprio PP) não foi convidado à festa oferecida pelos espanhóis ao presidente Mauricio Macri, evitando assim os questionamentos que poderiam ocorrer à política de direitos humanos e à crescente pauperização social do país.

Mas a agenda de Macri em terras espanholas não se resume a eventos políticos e encontros com seu colega Mariano Rajoy ou o rei Felipe VI, filho de Juan Carlos – o abdicado monarca, a quem Macri disse a tristemente célebre frase: “deviam (os patriarcas da independência argentina) ter sentido a angústia, querido rei, de tomar a decisão de se separar da Espanha”. Seu encontro com José María Aznar, que há tempos tenta se posicionar como o grande articulador da direita ibero-americana, demonstra sua intenção de se tornar também uma referência regional, num momento em que Michel Temer enfrenta uma crescente impopularidade, maior até que a do chefe de Estado argentino.

Aznar é fundador da Faes (Fundação para a Análise e Estudos Sociais), um think tank vinculado à Fundação Pensar, ligada ao PRO, partido de Macri. A Faes é o núcleo de diversas ONG´s na América Latina que combatem o avanço dos governos progressistas, nacional-populares e de esquerda. A estratégia inicial foi a de apontar os dardos aos governos de Cuba e da Venezuela, mas rapidamente incluiu em sua mira o Equador, a Bolívia e a Argentina. “O apadrinhamento ideológico de Aznar sobre Macri foi selado nos congressos que a ONG espanhola realizou em 2013 e 2014, em Buenos Aires”, recorda o jornalista Federico Vázquez, numa nota de 2015, às vésperas do segundo turno na Argentina, quando a candidatura da direita se impôs por uma pequena margem.

Diferente do que disse ao iniciar o seu governo, Macri imprimiu uma profunda “ideologização” em sua política exterior. Prova disso é a tentativa de fazer a Argentina ser aceita na Aliança do Pacífico mais que como país observador, em vez de fortalecer o Mercosul e a Unasul, como pedem as circunstâncias internacionais, com o realinhamento após a chegada de Trump à Casa Branca.

Essa ideologização das relações internacionais se vincula com sua estratégia partidária: o PRO se uniu, em janeiro passado, à autodenominada União Democrata Internacional (IDU), onde se congregam quase uma centena de partidos de direita, entre os quais se encontram o Partido Republicano estadunidense, a União Democrata Cristão da Alemanha, o próprio PP espanhol a chilena UDI (herdeira do pinochetismo), entre outros. E quem fundou a IDU, no Anos 80? Ninguém menos que Margaret Thatcher, de quem Macri tomou “emprestado” a ladainha de que “não há alternativas” que não a das ortodoxas políticas de austeridade.

Voltando ao discurso de Errejón, ele tem razão quando lembra que “embora Macri seja `um dos seus´, a história – diferente do vaticinado por Thatcher ou mesmo por Francis Fukuyama – sempre demonstra que há alternativas ao desabrigo social produzido por administrações como as de Rajoy e Macri”. Por enquanto, a tão glorificada abertura ao mundo se transformou apenas no guarda-chuvas da direita internacional diante da tormenta perfeita (inflação, demissões, esfriamento econômico, aumento da brecha entre os que tem mais e os que tem menos, questionamentos internacionais à política de direitos humanos) que a Argentina vive.