Contra o muro do silêncio: Saráuis resistem à ocupação e negligência
São 133 anos de colonização e 42 de ocupação. O povo saráui manifesta uma resistência potente, seja sob a ocupação marroquina, seja nos campos de refugiados no deserto argelino. Entretanto, a “paciência” não é infinita e os saráuis não podem mais ouvir o apelo por ela. Em visita recente, o Centro Brasileiro de Solidariedade aos Povos e luta pela Paz (Cebrapaz) ouviu relatos e testemunhou consequências da pendência colonial e da negligência mundial.
Por Moara Crivelente, para o Portal Vermelho
Publicado 04/03/2017 09:34

Em Tinduf, Argélia, a vida nos cinco campos de refugiados saráuis é evidência da resistência de um povo. A organização dos campos, da distribuição da ajuda humanitária, do território liberado, da atuação a nível regional e internacional e a construção de um projeto de país e de sociedade são trabalhos constantes, liderados há mais de quatro décadas pela Frente Popular de Libertação de Saguia el-Hamra e Rio de Ouro (Polisario), representante do povo saráui e da República Árabe Saráui Democrática (RASD).
Convidado pelo representante da Frente Polisario no Brasil, Mohamed Zrug, e representado por Moara Crivelente (diretora de Comunicação) e Marcos Tenório (diretor do núcleo do Distrito Federal), o Cebrapaz esteve no Saara Ocidental, nos campos de refugiados saráuis e no território liberado pela Frente Polisario – em árdua luta contra o ocupante Reino do Marrocos – para expressar sua solidariedade e participar na construção de ações de apoio à demanda saráui por descolonização, liberação e independência.
A RASD foi proclamada em 27 de fevereiro de 1976 e é reconhecida por mais de 80 países, mas o Brasil ainda não é um deles. O país é um membro fundador da União Africana (UA), à qual o Marrocos apenas se reintegrou há um mês, até então insistindo em um protesto infrutífero contra a presença da RASD e seu reconhecimento pelos vizinhos africanos.
Em reuniões com ministros, organizações de defesa dos direitos humanos, dos prisioneiros e das mulheres, em contato com os habitantes dos campos e no evento de comemoração dos 41 anos da RASD, fica patente que a luta pela autodeterminação saráui é o empenho que mobiliza todos e todas. Diversos parlamentares, representantes diplomáticos, defensores dos direitos humanos e professores universitários estrangeiros estiveram no Saara Ocidental neste período, além dos participantes da 17ª Maratona do Saara, realizada na última terça-feira (28/2), em solidariedade às crianças refugiadas.
Pendências e conquistas
Em 1991, com a assinatura de um cessar-fogo, a Frente Polisario baixou as armas à espera de um referendo prometido pelo Reino do Marrocos, o que levou à criação da Missão das Nações Unidas para o Referendo no Saara Ocidental (Minurso). Entretanto, a promessa foi retirada pelo governo marroquino e a Minurso tem sido incapaz de cumprir o seu mandato ou de proteger os saráuis – o que não está entre as suas funções, limitadas, neste caso, ao monitoramento.
Foto: Moara Crivelente
Não bastasse, em março de 2016 o Marrocos expulsou do território o componente civil da Minurso responsável pela preparação do referendo e pelo monitoramento. Pouco depois, também mobilizou forças para a zona desmilitarizada próxima ao muro de 2.700 quilômetros que construiu em território saráui na década de 1980, provocando o aumento das tensões e anulando seus compromissos. Durante o evento de comemoração dos 41 anos da RASD, por isso, o presidente Brahim Ghali apelou à liderança mundial e ao novo secretário-geral da ONU, António Guterres, por ação na defesa do direito saráui à autodeterminação, em resposta aos chamados por “contenção” diante das crescentes tensões.
O território saráui foi dominado pela Espanha em 1884, quando as potências europeias repartiram a África entre si, à régua. Em 1975, a Espanha, potência colonial e “administradora” – já que o Saara Ocidental era também uma província espanhola – desgastada pela ditadura franquista e confrontada pela luta anticolonial saráui organizada desde 1973, retirou-se de forma controversa, sem a transferência do controle do território no processo de descolonização.
O Marrocos e a Mauritânia reivindicaram soberania, que foi posta em questão por uma opinião consultiva do Tribunal Internacional de Justiça de 1975, favorável ao exercício do direito saráui à autodeterminação. Até hoje, entretanto, a colonização espanhola e a ocupação marroquina seguem pendentes.
Em 2015, o juiz Pablo Ruz da Suprema Corte espanhola acusou o Marrocos pelo genocídio dos saráuis – ou seja, por atuar com a “intenção de destruir total ou parcialmente a população saráui para apoderar-se do território do Saara Ocidental”, entre 1975 e 1991, destacando os “bombardeios contra população civil, deslocamento forçado, assassinatos, detenções e desaparições de pessoas, todas elas de origem saráui”.

Campanhas e resistência
O povo saráui engaja-se em importantes campanhas pela defesa do seu direito à autodeterminação. Entre elas estão as demandas contra o Marrocos, que ocupa dois terços do território saráui, pelo sistemático roubo de recursos naturais tão importantes como o fosfato – usado em fertilizantes agrícolas usados inclusive no Brasil – e produtos da pesca consumidos na Europa, gás, entre outros.
No território ocupado, a violação dos direitos humanos é sistemática. A Comissão Nacional Saráui de Direitos Humanos e a Associação de Familiares de Prisioneiros e Desaparecidos Saráuis (Afapredesa) denunciam a detenção de prisioneiros políticos, a falta de informações sobre o paradeiro de centenas de pessoas e uma repressão brutal de qualquer protesto.

Já nos cinco campos de refugiados em território argelino, as necessidades mais básicas de quase 200 mil habitantes são respondidas pela Frente Polisario e pela assistência ainda insuficiente de diversos países através de ONGs e da Organização das Nações Unidas (ONU). As condições de vida no deserto do Saara são extremamente adversas. A educação, ainda assim, é a prioridade ressaltada pelos saráuis, preocupados por uma sociedade emancipada.
Durante a vista, estas e outras questões foram esclarecidas por ministros, representantes diplomáticos e defensores dos direitos humanos em reuniões e entrevistas com os delegados estrangeiros. Seus relatos serão publicados integralmente no Portal Vermelho, com destaque para os pontos centrais da luta anticolonial e contra a ocupação marroquina e das ações de solidariedade internacional com o povo saráui.