Seminário denuncia “governo real” e ofensiva privatista de Doria

O Comitê Municipal do PCdoB (São Paulo/SP) fez um balanço dos primeiros quatro meses da gestão Doria, sábado (06/05), no seminário “São Paulo, o Desmonte Anunciado”. Com a participação de cerca de 150 dirigentes e lideranças comunistas, a atividade ocorreu no Sindicato dos Engenheiros de São Paulo, na região central.

Numa campanha eleitoral curta e meteórica, sem debate de projetos, João Doria (PSDB) se converteu no elemento surpresa, apresentando-se como “gestor” e “trabalhador”. Uma vez na Prefeitura de São Paulo, depois de ser eleito já no primeiro turno, o tucano não deixou a dissimulação de lado. Sua “cidade linda” só existe na propaganda oficial. Em busca de rápida projeção nacional, ele negligencia os interesses reais da população e faz um governo marcado por retrocessos, desmontes e ultraliberalismo.

Os expositores lembraram as condições especiais que proporcionaram uma vitória espetacular de Doria nas eleições municipais de 2016. “Tivemos uma campanha curta, sem debate de projetos. Esse formato beneficiou Doria”, afirmou a ex-secretária municipal de Cultura Maria do Rosário Ramalho. Para o vereador Antônio Donato (PT), o foco dos candidatos a prefeito foi a tentativa de polarizar com Fernando Haddad, que concorria à reeleição. “Nenhum debate importante foi aprofundado na campanha.”

Nádia Campeão – que foi vice-prefeita e secretária de Educação na gestão Haddad – afirma que Doria foi em 2016, assim como Fernando Collor em 1989, a “encarnação do espírito de uma época”. Segundo Nádia, “em resposta à Operação Lava-Jato, os eleitores buscaram líderes novos, de perfil ultraliberal. O cenário de desesperança deu margem, em todo Brasil, a esse tipo de produto acabado e profissional. Em São Paulo, Doria foi o elemento surpresa e se aproveitou de uma campanha meteórica”.

"Governo de superfície"

Ao tomar posse no Edifício Matarazzo, em 1º de janeiro, Doria continuou a usar “a fraude como arma permanente”, conforme avaliação do professor Aldo Fornazieri, da Escola de Sociologia e Política de São Paulo. “Ele é um personagem condizente com nosso tempo. Com o colapso dos partidos tradicionais – de esquerda e de centro – e o afloramento de uma cultura neofascista, Doria radicaliza à direita”, afirma Aldo.

Uma das marcas da gestão é o ataque a serviços, equipamentos e patrimônios públicos. “É um governo sem cara. Não existe nada de ‘cidade linda’. A cidade verdadeira está perdendo políticas públicas e é alvo de um desmonte acelerado”, afirma Nádia Campeão. “Doria busca o poder pelo poder, sem convicção cívica, ética ou moral”, agrega Aldo.

Na opinião de Donato, “o governo mais real é outro”. Líder da oposição na Câmara Municipal, o vereador citou a última pesquisa do Datafolha sobre a administração municipal, divulgada em 8 de abril. Conforme o levantamento, em apenas dois meses, a rejeição ao governo Doria disparou de 13% para 20%. Além disso, 47% dos paulistanos declaram que, até o momento, o prefeito fez menos pela Cidade do que esperavam.

Em abril, a bancada de vereadores do PT apresentou um documento com o balanço de cem dias do tucano na Prefeitura. O estudo destacava que São Paulo vive um retrocesso em diversas áreas – política, institucional, administrativa, social, entre outras. “Temos um governo de superfície, que aposta na desqualificação, desrespeita as leis e extingue políticas públicas”, afirma Donato.

Perdas sociais

O esvaziamento do Programa de Metas foi um “cartão de visita” da gestão. Além de manipular vários pontos plataforma eleitoral de Dória e apresentar propostas genéricas, o Programa tem um número insignificante de metas – 50, contra 223 na gestão Kassab (2009-2012) e 123 no governo Haddad (2013-2016). Seja no Programa, seja no dia da gestão, a área social é a mais atingida, com extinção de secretarias (como as de Políticas para as Mulheres e de Promoção da Igualdade Racial), cortes e congelamentos orçamentários mais drásticos, além de medidas restritivas e conservadoras.

“Em vez de enfrentar as causas concretas das dificuldades do SUS (Sistema Único de Saúde), a gestão deu ênfase à atenção especializada, mirando apenas na fila de espera para exames”, diz Julia Roland, ex-diretora de Gestão Participativa do Ministério da Saúde. Para Julia, uma das consequências do programa “Corujão da Saúde”, vitrine da gestão, é “sobrecarregar” ainda mais a atenção básica, que já tem baixa resolução. “A Prefeitura fez apenas uma maquiagem.”

A professora Valéria Leão, gestora municipal no governo Haddad, lembra que, na campanha, Doria se comprometeu em zerar a fila de vagas em creches. Agora, o governo fala em criar apenas 30% a mais de vagas. “O Programa de Metas ‘esqueceu’ a promessa”, acusa Valéria. “Por que, aliás, a Prefeitura não conclui as 84 unidades educacionais que a gestão Haddad deixou em obras?”

Outro recuo foi na política de distribuição de leite para estudantes da rede municipal. No final de 2016, cerca de 916 mil crianças e adolescentes eram contemplados com o “Leve Leite”. Agora, o programa só beneficiará 223,2 mil alunos. Na opinião de Valéria, “a lógica de um projeto privatista está se impondo”.

São Paulo à venda

O programa privatista é a prioridade do governo Doria. Em quatro anos, a gestão pretende implantar o mais avançado projeto de “desestatização” da Cidade, com vendas e concessões de equipamentos e serviços municipais. O “pacote” encaminhado pelo prefeito à Câmara Municipal prevê a entrega de 55 itens à iniciativa privada, como o Autódromo de Interlagos, o Estádio do Pacaembu, o Sambódromo e o Parque Ibirapuera.

“O desmonte e a falência dos serviços públicos agradam, de várias maneiras, aos grupos econômicos aliados a Doria”, sustenta Nádia Campeão. “Eles ganham com eventuais privatizações, ganham com a transferência de serviços via parcerias ou concessões e ganham com a adesão de pessoas descontentes, que podem optar, por exemplo, por escolas particulares e planos de saúde.”

Segundo Donato, há “irresponsabilidade” por parte da administração tucana. “Querem levar as privatizações à frente sem estudos que mostrem a vantagem efetiva de a Prefeitura vender seu patrimônio. E não se faz um estudo desses em poucos meses.”

Já para Maria do Rosário, mesmo áreas não agrupadas no projeto de Doria terão impactos dessa escalada neoliberal. “A Cultura passa por uma profunda crise, com exonerações, congelamento de orçamento e interrupção de projetos. Lá na frente, vão querer impor parcerias para repassar verbas às Organizações Sociais (OSs), que não são garantia de qualidade na prestação do serviço.”

De olho em 2018

Aldo Fornazieri afirma que, no final das contas, Doria tentará usar a administração municipal como um “trampolim” político-eleitoral. “Doria não veio para ficar na Prefeitura. Ele quer ser uma liderança nacional e usa a fraude como arma política permanente”, avalia. O tucano pode se candidatar a governador, mas já faz uma agenda de presidenciável.

Até hoje, apenas dois prefeitos de São Paulo, Washington Luís e Jânio Quadros, elegeram-se presidentes da República. Mas, para Aldo, não podemos subestimar Doria. “É preciso fazer uma oposição estratégica, pensada, sofisticada.” Nádia concorda – e acredita que a blindagem ao prefeito diminuiu, apesar do apoio da mídia ao seu governo. “Doria não é mais uma surpresa. Nosso desafio agora é desconstruir sua figura e sua gestão”.