Hélio Leitão: Fascistolândia

“A ‘Cracolândia’ é produto da ausência de amplas políticas públicas de assistência social e em especial a dependentes químicos. Estas, na esteira das experiências internacionais vitoriosas, devem se pautar pela estratégia terapêutica de redução de danos”.

Por * Hélio Leitão

Cracolandia - Nelson Antoine/Fotoarena

O prefeito de São Paulo, João Dória Junior, resolveu, a golpe de trator, bombas de efeito moral e violência policial, pôr um fim à chamada “Cracolândia”, espaço encravado no bairro da Luz em que habitam e perambulam pessoas em situação de rua, muitas das quais usuárias patológicas de drogas ilícitas.

A ação, parte do projeto “Redenção”, assim batizado com pompa e circunstância, teria por finalidade resgatar do vício dependentes químicos e promover o combate ao tráfico de drogas na região, revitalizando-a em consequência.

Essa “nova política” de tentativa de reordenação do espaço público por meio de uma faxina social nada tem de novo e descortina o cariz elitista e autoritário da gestão paulistana, um autêntico “revival” das políticas higienistas que remontam ao século XIX. Uma política urbana pautada pela remoção e descarte indiscriminado dos indesejados sociais, que “enfeiam” a bela e histórica região, sem respeito aos seus direitos mais elementares. Sim, eles os têm. Até eles.

Além de atentatória aos direitos e garantias fundamentais ínsitas à condição humana, a operação, desfechada com grande repercussão midiática – como de resto tudo o que faz o senhor prefeito, revelou-se, de saída e como esperado, um retumbante fiasco. A “Cracolândia” mudou de lugar. Aqueles a quem se queria extirpar da paisagem urbana agora se espraiam por outros pontos da região. O problema continua do mesmo tamanho.

A dependência química não é caso de polícia, antes de saúde pública.

Ministrar-lhes gás lacrimogêneo e pontapés é crueldade inócua. Não serve de álibi à gestão paulistana a bandeira do combate ao tráfico de drogas, dado que a mercância que ali certamente se desenvolve é de pequena monta, até pelo perfil de seus consumidores, sem qualquer relevância para o mercado sujo da droga. Confundir usuários e pequenos traficantes é erro brutal. E comum.

A “Cracolândia” é produto da ausência de amplas políticas públicas de assistência social e em especial a dependentes químicos. Estas, na esteira das experiências internacionais vitoriosas, devem se pautar pela estratégia terapêutica de redução de danos.

Obra de anos de descaso e indiferença, a “Cracolândia” aguarda solução.

*Hélio Leitão é advogado.

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