Hélio Leitão: Guarda da esquina

“Mais recentemente noticiou-se que a Guarda Civil Municipal tentou impedir a distribuição de sopa aos moradores de rua, trabalho social promovido pelo padre Júlio Lancellotti, da Pastoral do Povo de Rua, histórico militante da causa dos direitos humanos. Atribuir o episódio a uma mera trapalhada dos esbirros policiais, prontamente resolvida com a intervenção do sacerdote junto a seus superiores, não deixa entrever a dimensão do problema”.

Por *Hélio Leitão

Brasil tem mais de 100 mil moradores de rua / Foto: Agência Brasil - Foto: Agência Brasil

Volto à gestão João Dória, cidade de São Paulo. Não sem razão. A cidade mais populosa do hemisfério Sul tem sido o viveiro de experiências e práticas autoritárias de ampla repercussão midiática e que contam com a aprovação de largos segmentos do povo paulistano, força é reconhecer. O fenômeno preocupa.

A pretexto de disciplinar e ordenar o espaço urbano, o prefeito, envergando sempre ternos bem cortados e com ares de quem acabou de sair do banho, procura implementar políticas que fazem lembrar as mais autênticas recomendações da doutrina higienista, da faxina social, fechando-se a qualquer diálogo com os setores atingidos e quem os representa.

Assim é que passou o rodo na chamada “Cracolândia”, numa ação desastrada e atentatória aos direitos da população em situação de rua. Sem qualquer efeito prático. A “Cracolândia” mudou de lugar, pura e simplesmente. Os dependentes químicos seguem sem atenção médica. Os alvos são as vítimas de sempre da truculência estatal: os deserdados da sorte. Aqueles que, no dizer do escritor uruguaio Eduardo Galeno, “não valem a bala que os mata”.

Mais recentemente noticiou-se que a Guarda Civil Municipal tentou impedir a distribuição de sopa aos moradores de rua, trabalho social promovido pelo padre Júlio Lancellotti, da Pastoral do Povo de Rua, histórico militante da causa dos direitos humanos.

Atribuir o episódio a uma mera trapalhada dos esbirros policiais, prontamente resolvida com a intervenção do sacerdote junto a seus superiores, não deixa entrever a dimensão do problema.

Quando a fera autoritária arreganha a dentuça e ruge, seus urros se espraiam por todo corpo social, qual câncer em metástase. Não custa lembrar que, quando o governo de Costa e Silva baixou o Ato Institucional-5, que instalou a ditadura sem disfarce no País, o então vice-presidente Pedro Aleixo, civil, único do gabinete presidencial a se opor à medida, advertiu: “Presidente, o problema de uma lei assim não é o senhor nem os que com o senhor governam o país. O problema é o guarda da esquina”.

Qualquer semelhança não é mera coincidência. Fica a dica.


*Hélio Leitão é advogado.

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