O mercado financeiro é cínico por excelência, diz economista

Sobre cinismo e mercado financeiro

Não faz muito tempo fiz um post aqui que gerou bastante repercussão. Falei do desconforto que me gerou dar opiniões positivas sobre a bolsa por conta da alta do petróleo no mercado internacional depois que regiões da Síria haviam sido bombardeadas (o que criou tensões na região e por conseguinte uma relativa menor oferta de petróleo que fez o barril subir e assim criou incentivos ao mercado acionário local).

Depois de mandar o comentário a clientes com a recomendação, abri o site da Folha de São Paulo e estampado na capa estava a foto de um pai que segurava seus dois filhos mortos depois desse bombardeio. Me senti enojado com o que fiz. Dei lucro com a dor alheia, dor essa que numa simples foto me capturou.

O mercado financeiro é cínico por excelência; ao negociar ativos em busca de diferenciais de potência (entre uma base fraca vendida e uma base forte comprada) ignoramos com facilidade trivial o que de fato estamos lidando: na tela fria do gráfico estampado no monitor decidimos "sem saber" e até "sem entender".

Business as usual, me sussurra o senhor de cartola que me acompanha num sorriso malicioso com seu monóculo pendurado. Olho fixamente de volta.

Esses dias o cinismo deste senhor veio me bater à porta mas desta vez resisti com certa galhardia apontando em entrevistas e em relatórios o absurdo do senso comum.

Muitos analistas de mercado correram para dizer que a vitória de Temer esta semana era um bom sinal, afinal com o governo funcionando a chance de reformas passarem são mais robustas que o caos institucional que se criaria com a investigação do presidente.

Temer havia, mais uma vez, mostrado sua habilidade de controle do Congresso.

Me cria asco tal interpretação. Será que estes economistas sabem o que dizem ou se limitam ao frio da tela terceirizando sua consciência e bom senso num culto religioso ou num projeto social qualquer?

O que significa de fato o fato de Temer "ter o controle do Congresso"? Sabemos muito bem como este "controle" foi feito e isto afronta o mínimo de dignidade dos que são contra a corrupção. O que me irrita mais é que a maioria absoluta dos economistas de mercado se dizem contra a corrupção e por isso foram favoráveis ao impeachment de Dilma.

Faça-me o favor!

Outro movimento cínico que só tem sido a brutal indiferença dos analistas e agências de classificação de risco com a elevação do déficit fiscal. Alguém me explica porque antes isso era imperdoável e hoje meio que tanto faz? Que a elevação de impostos é transitória enquanto a maior estiagem do país foi um "choque permanente"?

Um economista de mercado poderia me argumentar que pequenos déficits antes eram potencialmente explosivos porque a Dilma não estava disposta a fazer os ajustes necessários. Eu rio e dou de ombros: agora não se fez ajuste algum e quem vai ter que fazer nem eleito foi ainda, mas mesmo assim o mercado entende como dado.

Será que estes economistas não veem o caos na segurança, a falta de pagamento de salários de servidores, o fechamento de faculdades e o sucateamento da ciência e tecnologia? Seria sábio apostar que isso – as reformas – são duradouras?

A dor alheia é irrelevante pelo visto, mas até aí eu entendo, afinal o ser humano médio – e em especial da Vila Olimpia ou Leblon – tem pouco respeito pelo coletivo. No entanto a questão é mais trivial: seria razoável supor que um ajuste feito por um presidente que tem 5% de aprovação são duradouras?

O problema do cinismo é que perdemos a referência ao nos deleitarmos alegremente com o relativo do dinheiro entrando na conta, dinheiro este que representa também todas contradições do sistema que "administramos".

O que me irrita na real nem é isso. Como respeito demais o mercado financeiro por ser justamente essa indústria que viabiliza o futuro ao arbitrar informações, me deixa P da vida tamanho pensamento raso. Não se pensa num passo na frente pq no presente está tudo, cinicamente, precificado….

You should know better disse certa vez um economista ingles aos seus colegas da Citi Londrina.
Deixo isso aqui aos analistas cínicos e covardes do mercado de capitais brasileiro.

Por André Perfeito