Portugal: a luta dos trabalhadores da empresa Autoeuropa

Anunciada, e realizada (com uma adesão que determina a paralisação total da empresa), a greve dos trabalhadores da Autoeuropa logo se ergueu num coro de vozes revoltosas.

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Vozes essas que vão desde a Administração da empresa, o dirigente do Bloco de Esquerda e ex-coordenador da Comissão de Trabalhadores Manuel Chora (que até já afirmou que “se não se tivesse mudado, esta greve estaria suspensa”) e o ex-Presidente da UGT Torres Couto, até aos habituais comunicadores, sejam eles os jornais, as televisões ou simplesmente as redes sociais.

Também, para não dizer sobretudo, creio que importa refletir com seriedade e sem premissas fáceis sobre esta questão, para assim se poder compreender verdadeiramente aquilo que está em causa.

Estamos falando de uma empresa de 3.580 trabalhadores com uma idade média de 40 anos, elevado nível de qualificação profissional e com um dos maiores índices de produtividade do grupo Volkswagen e cuja Administração, no regime de turnos até aqui aplicado, chegou a impor aos mesmos trabalhadores, sob o argumento da diminuição de encomendas, mais de 20 dias de down days, ou seja, de paragem coletiva forçada do funcionamento da fábrica.

Esta é também uma fábrica altamente lucrativa, direcionada mais de 99% para a (re)exportação, montagem em 4 etapas (prensas, carroçarias, pintura e montagem) com peças anteriormente importadas, tendo um impacto nas exportações nacionais na ordem dos 4%.

Os regimes laborais vigentes na Autoeuropa têm sido sistematicamente negociados entre a Administração e a Comissão de Trabalhadores, apesar de esta não ter, legalmente, qualquer competência para negociar e subscrever instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho (questão que, não pareceu fomentar mudanças, nem mesmo aos próprios sindicatos e aos juristas mais legalistas, durante décadas).

Acontece que, sob o pretexto do início da produção do novo utilitário esportivo da VW (o T-Rock) – que supostamente iria fazer subir em 2018 para 200 mil a produção de automóveis, que foi de 102 mil em 2015 e de apenas 90 mil em 2016 – a Administração da empresa pretendeu impor como obrigatórios quer o regime de 3 turnos, quer a prestação de trabalho no dia de descanso (o Sábado) em troca de mais dinheiro (175€ de remuneração adicional e 25% de subsídio de turno) e 1 dia adicional de férias.

A Comissão de Trabalhadores fez esse acordo a colocou esse novo regime sem ouvir ou consultar os trabalhadores.

Diante dos justos protestos e denúncias, no último 28 de julho o acordo foi submetido a um referendo, que resultou na reprovação de 74,6% pelos trabalhadores. Diante do evidente resultado, a maioria dos elementos da Comissão apresentou a sua demissão a partir de 28 de agosto. Mas ao mesmo tempo que se declarava indisponível para tratar de quaisquer assuntos, a Comissão teve tempo de defender a pretensa legalidade do novo horário de trabalho apresentado pela Administração, chegando mesmo ao ponto de dizer ter “consultado vários advogados”.

Como se a questão não fosse nada além da mera legalidade de um novo horário que a administração pretende impor. E é evidente que, ao invés do que pretendem os seus detratores, os trabalhadores não querem mais dinheiro, nem são uns malandros que não querem trabalhar nem querem ganhar mais do que mereceriam. A questão não se reduz ao maior ou menor oportunismo da ação desta ou daquela organização sindical.

Na verdade, para a empresa, se trata de embaratecer os custos de mão-de-obra (aliás, dos mais baixos o grupo Volkswagen). Não contratando para esta nova produção mais operários e passando a impor o sábado como um dia de trabalho obrigatório (e não de descanso como até aqui, o que nos termos da lei implicava que quando o trabalhador fosse trabalhar recebesse a respectiva remuneração como trabalho suplementar prestado em dias de descanso), mesmo com o supra citado e prometido complemento remuneratório, a empresa teria sempre menores custos salariais. Dito de outra forma, com o novo horário e tendo de trabalhar 3 sábados num mês, cada trabalhador ganharia menos do que receberia, com o atual horário, se fosse trabalhar 1 único sábado.

Em contrapartida, para os trabalhadores – que, com o novo horário só poderiam ter 2 dias de descanso seguidos de 3 em 3 semanas, e teriam ainda de suportar uma enorme rotatividade horária durante mais de 2 anos – do que se trata sobretudo é de salvaguardar adequadamente os seus direitos fundamentais ao descanso semanal, ao repouso e aos lazeres, bem como à prestação de trabalho em condições de segurança e de saúde e à organização do trabalho em condições socialmente dignas, de forma a facultar a realização pessoal e a permitir a conciliação da atividade profissional com a vida pessoal e familiar.

São direitos expressamente consagrados, e para todos os trabalhadores, nas alíneas b), c) e d) do nº 1 do artigo 59º da Constituição da República Portuguesa. A qual, ao que eu saiba, não foi revogada nem suspensa…

Essa é a verdadeira causa.

Perante esta situação, vários sindicatos representativos dos trabalhadores – que, até aqui sempre tinham aceito a legalmente inexistente competência negocial da Comissão de Trabalhadores – reuniram-se com a Administração da empresa e, perante a intransigência desta e a ausência de acordo, convocaram então a greve em causa, a qual decorreu, com elevadíssima adesão, entre as 22:30 de terça-feira e a meia noite de quarta-feira.

Então começaram as ameaças de que se os trabalhadores da Autoeuropa não aceitassem as imposições da Administração, a Volkswagen iria transferir a fábrica de local e mandar todos os trabalhadores embora, mais os trabalhadores das 47 empresas fornecedoras de peças e componentes para a fábrica. Isso constitui, sem tirar nem pôr, uma verdadeira chantagem.

Chantagem à qual não se pode ceder – por mais que gritem e até insultem os “especialistas” políticos, a comunicação social e as redes sociais – não só porque nunca se deve ceder à chantagem mas por que, em última instância, ceder a isso representará aceitar a lógica de que é sempre possível encontrar um país onde os direitos sociais e laborais são mais ignorados que no nosso, e, logo, para “manter a fábrica em Portugal” e “manter os postos de trabalho” todas as humilhações se tornam afinal justificáveis e aceitáveis…

E, por isso, vamos ver também como se comportam os sindicatos que agora convocaram a greve.