Queremos uma escola democrática

por Gustavo Petta – vereador pelo PCdoB em Campinas/SP

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A onda conservadora que tem avançado sobre as instituições no Brasil trouxe à tona uma paranoia que havia sido superada com o fim da ditadura: a ideia de que os professores formariam um exército de militantes em favor da “doutrinação marxista, esquerdista”. No bojo dessa tese está um movimento que ganhou força em parte da sociedade, apesar da fragilidade de seus argumentos e da ilegalidade de seus objetivos: o “Escola sem Partido”, que visa promover a censura de professores em sala de aula, ainda que de modo indireto.

Na Câmara Municipal de Campinas está tramitando um projeto de lei desta natureza. O simples fato de o mesmo ter sido aprovado pela Comissão de Legalidade, em que pese o parecer contrário da Coordenadoria de Apoio às Comissões, bastou para suscitar a preocupação de educadores quanto às consequências de uma lei como esta para o docente e para a formação dos jovens, caso seja aprovada em plenário e sancionada pelo prefeito.

É preciso que se diga, antes de tudo, que o nome “Escola sem Partido” é uma falácia. A ideia do fundador deste movimento, o procurador do Estado de São Paulo, Dr. Miguel Nagib, era esta: confundir a opinião pública ao defender uma causa justa, porém sem base na realidade. Afinal, aqueles que se opõem ao “Escola sem Partido” estariam, necessariamente, defendendo uma “Escola com Partido”. Nada mais absurdo, uma vez que não existe escola partidarizada.

A preocupação dos formuladores do projeto não deixa de ser legítima: a escola não pode ser um local de doutrinação, mas de formação. Nisso estamos de acordo. O problema é que para este movimento, que de “apartidário” não tem nada, a doutrinação estaria implícita na opinião dos professores sobre os temas discutidos nas escolas. Um professor que lecionasse sobre qualquer episódio histórico, por exemplo, teria de se ater somente aos fatos, isentando-se de opinar sobre eles.

Esta ideia, que se espalhou como metástase nas redes sociais, tem estimulado a delação de alunos que supostamente teriam sido “doutrinados” por seus professores, expondo-os e ameaçando-os com processos. A sua institucionalização, em forma de lei, representará o retorno de um sentimento vivido na ditadura militar, quando os professores se sentiam constantemente vigiados, não podendo ser quem realmente eram.

A escola deve ser um espaço democrático de circulação de ideias que permita ao aluno aprimorar sua visão de mundo por meio do pensamento crítico. Se não houver emissão de opiniões pessoais, não haverá debate. O quão preparados estarão para a vida em sociedade os estudantes que não tiverem contato com diferentes modos de pensar? A democracia nos trouxe muitas conquistas, mas ainda não fomos capazes de construir uma cultura de solidariedade e uma consciência cidadã. Uma escola sem pensamento crítico aprofundaria ainda mais a nossa crise civilizatória.

Não afirmo que os objetivos do “Escola sem Partido” são ilegais porque alguém me disse num grupo do Whatsapp. Em março deste ano, o ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), decidiu pela inconstitucionalidade do projeto e advertiu sobre a natureza dúbia da proposta: “É tão vaga e genérica que pode se prestar à finalidade inversa: a imposição ideológica e a perseguição dos que dela divergem”. Segundo Barroso, a lei limita valores protegidos constitucionalmente e não promove direitos de igual hierarquia.

Como contra-argumento, os defensores do “Escola sem Partido” dizem que o projeto não afeta em nada a liberdade de expressão nas escolas e que a norma propõe apenas que sejam afixados cartazes em salas de aula com “deveres do professor”, como a proibição de “condutas que imponham ou induzam nos alunos opiniões político-partidárias” e da “doutrinação política e ideológica”.

“Mas o que é doutrinação? O que configura a imposição de uma opinião? Quais são os critérios éticos aplicáveis a cada disciplina e em que circunstâncias o professor os terá ultrapassado?”, pergunta o ministro. Ele argumenta ainda que para que a educação seja emancipadora, é preciso ampliar o universo informacional e cultural do aluno, e não reduzi-lo, com a supressão de conteúdos políticos ou filosóficos. “O excesso de proteção não emancipa, ele infantiliza”, diz.

A decisão de Barroso deve suspender a tramitação de projetos semelhantes em Câmeras Municipais e Assembleias Legislativas de todo o país. Esperamos que a Lei da Mordaça não avance em Campinas. Se avançar será fatalmente derrubada nas instâncias superiores, uma vez que sua estratégia fascista está em desacordo com a Constituição Cidadã de 1988. Ao criminalizar o trabalho docente, intimidando professores que pensem de modo contrário ao status quo defendido por ele, o movimento “Escola sem Partido” é uma tentativa desesperada de criar uma sociedade insípida, sem senso crítico e incapaz de fazer escolhas por si mesma.

Confira o vídeo, produzido pela TV Câmara, sobre Ato Contra o projeto escola sem partido realizado na Câmara Municipal em 31/8: http://bit.ly/2x0hrcP