Ronaldo Carmona: Golpe desmontou setores que mais geram emprego
Ronaldo Carmona, cientista social e membro do Comitê Central do PCdoB, é um aliado antigo dos movimentos progressistas, tendo representado a intelectualidade brasileira inúmeras vezes em encontros internacionais e debates sobre os rumos do Brasil.
Por Renato Bazan*
Publicado 05/09/2017 13:02
Em julho de 2017, Carmona estendeu sua atuação à CTB ao produzir a nota técnica “A crise na Indústria e os trabalhadores”, em que ele e a Central avaliam os impactos da crise na indústria e o avanço do desemprego.
O documento pode ser lido na íntegra AQUI.
Diante do aniversário do governo ilegítimo de Michel Temer e dos resultados econômicos do segundo trimestre de 2017, o Portal CTB decidiu entrar em contato com Carmona novamente para reavaliar os caminhos que o Brasil tem tomado. O pesquisador, no entanto, não foi muito otimista: “Enquanto todo mundo protege a própria economia, nós entregamos a nossa”. Para ele, o próximo presidente receberá um país em situação de “terra arrasada”.
Confira a entrevista completa.
Portal CTB: O governo Temer completou na semana passada um ano de vigência. Qual a sua avaliação desse período?
Carmona: O governo Temer vendeu para a sociedade uma ideia de reposicionar o país. Essa foi a base que uniu apoio para o impeachment. O que vemos agora, no entanto, é que ocorreu o contrário. Em todos os indicadores, você observa retrocesso – e não apenas na questão econômica, mas em todas as áreas. Existe uma decomposição das bases do projeto nacional, do conjunto de setores estratégicos que fundamentam a economia. Eles estão sendo desmontados paulatinamente, em nome de um governo que joga o país numa crise ainda maior que aquela que ele recebeu.
O próximo presidente da república receberá um país numa situação de verdadeira terra arrasada.
Qual é maior desafio do Brasil daqui em diante?
O agravamento do desemprego será a principal pauta, e se deve a duas questões: a primeira delas é que nós desmontamos as cadeias produtivas mais dinâmicas, as que geram mais emprego, que mantêm o nível de renda elevado. O setor de petróleo e gás, que correspondia a 12% do PIB, foi praticamente desmontado. O setor de construção civil foi fortemente impactado – os números relativos ao segundo trimestre que acabaram de sair mostram mais uma retração forte no setor, que é forte em empregos. O setor portuário também, grandes estaleiros foram fechados.
Há um conjunto de setores da atividade econômica em que houve um grande desmonte, por um lado por opção política, e por outro pela questão da Operação Lava Jato. A operação não separou o joio do trigo. Ao fazer o correto enfrentamento do problema da corrupção, ela deixou que empresas fossem à bancarrota. Permitimos que desmontassem a cadeia nacional.
O segundo fator do desemprego é o enfraquecimento da taxa de investimento na economia. O grande fato desse segundo trimestre não é que a gente saiu da recessão – até porque sair com 0,2% é uma verdadeira piada. O dado mais relevante é que a taxa de investimento caiu pelo 13º trimestre consecutivo, e é a mais baixa da série histórica, desde 1996. Hoje a taxa de investimento é de 15,5%, tão baixa que sequer permite a recomposição do capital ou o enfrentamento da degradação do maquinário. Ou seja, ela nem repõe o que vai ficando obsoleto. Isso é importante porque mostra uma tendência: se você não tem investimento na ampliação das plantas produtivas, só trabalha na capacidade instalada, você não movimenta a economia. Hoje temos uma situação de imensa capacidade ociosa na indústria porque não há consumo.
Veja, o que permitiu o pequeno aumento de 0,2% no PIB foi justamente consumo das famílias, que se deu pela liberação dos R$ 44 bilhões do FGTS. Isso correspondeu a 2/3 da recuperação. Mas sobre isso aparece o problema de desemprego crônico, com 15 milhões de famílias sem nenhuma fontes de renda. Então foi algo passageiro, insustentável. Como é que a família vai consumir sem ninguém para pagar, com um endividamento crescente? Não vai. Aí não é possível empregar, e voltamos ao buraco.
O governo parecer priorizar os juros financeiros à economia real. Como o ministro Henrique Meirelles tem enfrentado esse dilema?
Bem, as taxas de juros, no Brasil, são das maiores do mundo. Em muitos países, ela chega a ser negativa. Agora eles editaram aquela medida que vai desmontar o BNDES, e substituir a TJLP pela TLP, que, trocando em miúdos, vai substituir a taxa subsidiada do BNDES por taxas de mercado. O Brasil tem as maiores taxas do mundo – quem é que vai ter dinheiro para investir nessas condições?!
É uma contradição gritante com o resto do mundo. Por que os países desenvolvidos vêm todos traçando uma estratégia de reindustrialização? Todos eles apostam hoje numa nova onda de industrialização como forma de garantir pujança na economia mundial, porque entenderam que esse é o fator gerador de riqueza, de valor agregado. Nós aqui temos uma situação de quase anomia. O governo Temer quer instalar um liberalismo tardio, na contra-onda do mundo, querendo que nos tornemos uma espécie de semi-colônia de economia primária. Enquanto todo mundo protege a própria economia, nós entregamos a nossa.
O que está por trás disso é uma visão de mundo. Esse pessoal neoliberal diz o seguinte: a indústria não é fundamental para a riqueza de uma nação, é desnecessária a existência de uma capacidade industrial para prosperar. Em outras palavras, querem um país vendendo banana, vendendo commodities, e creem que assim vamos nos ajustar às condições de mercado. Eles acham a indústria algo secundário, e nós achamos o contrário, que sem indústria não há riqueza, porque ela é base da agregação de valor, da geração de renda.
Parece um diagnóstico de piora. O que devemos fazer para inverter essa tendência de aumento no desemprego?
O Brasil precisa urgentemente reestruturar as cadeias de dinamismo da economia. Precisamos definir: quais serão os motores que permitirão que a economia volte a crescer? É preciso recompor esses fatores, apostar no setor de petróleo e gás, na construção civil, no agronegócio, nas cadeias já instaladas. Ao mesmo tempo, é preciso a recompor a capacidade do Estado brasileiro de induzir o desenvolvimento. Nós chegamos a uma situação em que o governo perdeu a capacidade de ação – coisas como a Emenda do Teto e o fim da TJLP amarram o Estado brasileiro, que sempre foi o indutor do desenvolvimento.
Nós perdemos essa capacidade de comandar. É preciso reverter essas medidas e reencontrar a capacidade de realizar investimentos! Hoje o Estado vive para financiar o rentismo, para financiar o funcionamento da dívida pública. Nenhum país pode ter perspectiva numa condição dessas, em que o próprio Estado vem apresentando sinais de falência, vê órgãos públicos perdendo a capacidade de funcionar.
Hoje, a única coisa que tem sua remuneração assegurada é o financiamento da dívida pública. Nenhum país tem futuro nessas condições.