Reitor da UFSB renuncia diante do desmonte da universidade pública

O reitor da Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB), Naomar Almeida Filho, divulgou uma carta aberta justificando seu afastamento da instituição. Segundo ele, os cortes orçamentários do governo Michel Temer têm afetado drasticamente as universidades públicas e principalmente, as instituições de modelos avançados, como é o caso da UFSB.

Por Verônica Lugarini*

UFSB - Facebook/reprodução

Desde que Michel Temer assumiu o governo, os repasses para as universidades públicas vem sendo restringidos, o que leva ao sucateamento do ensino público brasileiro.

Agora, ele atingiu a Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB), levando à renúncia de seu reitor, Naomar Almeida Filho. Para explicar o seu afastamento, Naomar Filho escreveu uma carta pontuando os diversos fatores que o levaram a tomar essa decisão.

Segundo o ex-reitor, a partir de 2015, frente ao agravamento da crise política e subsequente redução do financiamento da universidade pública brasileira vem sofrendo “profundo desgaste interno, intensificado pela suspensão de novos concursos federais, fomentando incerteza e angústia na comunidade universitária”, disse em carta.

Além disso, o fato da universidade ter um modelo de ensino avançado e inovador acentua as tentativas do governo de decretar a sua dissolução e o seu fechamento.

A UFSB tem caráter inovador em muitos aspectos, como pontua Naomar no texto:

“[A universidade tem] ampla cobertura territorial mediante a criação de uma rede de colégios universitários, regime letivo quadrimestral multiturno, modelo curricular flexível, em ciclos de formação, fortemente integrado à educação básica, com base em pedagogias ativas mediadas por tecnologias digitais. Além disso, o modelo de integração social que praticamos buscou promover ampla inclusão étnico-social, respeito à diversidade de saberes e engajamento da sociedade na governança institucional, com representação política efetiva nos órgãos consultivos e deliberativos da Universidade”.

A proposta da instituição inclui uma proposta pedagógica que transdisciplinar que visa ensinar os estudantes e futuros profissionais a compreenderem e a atuarem na sociedade de forma mais completa, acompanhando e dando respostas ao mundo contemporâneo.

A universidade que se inspirou e reinventou a inovadora proposta da Universidade de Brasília nos anos 60 feita por Anísio Teixeira e Darcy Ribeiro foi criada em 2011, mas pode ser desmantelada pelo governo Temer.

É possível criar um paralelo com a Universidade Federal da Integração Latino-americana (Unila), que sofre a mesma tentativa de desmonte. Sua proposta original – de integração da América Latina com na formação interdisciplinar de sujeitos que incidam nos problemas sociais e econômicos – seria extinguida para criação de uma outra universidade que assim, atenderia apenas alunos brasileiros.

O governo tenta a todo custo desgastar e extinguir a identidade dessas universidades, como a Unila e UFSB.

No caso da UFSB, há ainda o agravante de conflitos internos, como pondera o ex-reitor:

“Estabeleceram uma universidade socialmente referenciada durante a gestão, mas atos de hostilidade e agressão, inicialmente concentrados num pequeno grupo, começaram a aparecer em nosso cotidiano, replicando a deterioração do ambiente político nacional. Ações de evidente sabotagem, inclusive de dentro da equipe de gestão, criaram obstáculos à nossa agenda de integração social. Esse movimento conseguiu, por exemplo, cancelar o Congresso Geral da UFSB previsto para o ano passado (inviabilizando o II Fórum Social neste ano), além de boicotar tanto inovações curriculares de maior potencial inclusivo e quanto a articulação com a educação básica”.

Ainda de acordo com Neomar, há um grave impacto negativo da cultura política no país e que tem se instalado também na UFSB.

“Me entristece demais constatar o grave impacto negativo da cultura política instalada no país: negociação de cargos, compra de votos, tráfico de influência, corrupção que não se faz somente com malas de dinheiro; cargos, favores e privilégios também servem como eficiente moeda de troca. Será que nossa instituição educadora se encontra distante dessa realidade? Será que atos dessa natureza, favorecimentos e acordos escusos, não ocorrem nos campi universitários? Que efeitos pedagógicos lances de oportunismo, ambição e desonestidade terão sobre nosso alunado e sobre a sociedade, nesta instituição? Desmontar um projeto contra-hegemônico de universidade crítica, popular, transformadora? Desconstruir uma proposta porque incomoda profundamente os que querem o mínimo legal, aqueles que pretendem ficar na zona de conforto para fazer um pouco mais do mesmo?”, explica Naomar.

Propostas inovadoras

Com a estrutura da UFSB, o estudante tem acesso à um curso de graduação interdisciplinar, ou seja, ele terá matérias de formação geral, para depois, optar por um curso de formação específica.
Assim, ao fim do bacharelado, o aluno pode decidir e concorrer para ser enfermeiro, médico, psicólogo ou sanitarista.

Além da universidade permitir essa formação interdisciplinar, ela também usa cotas na proporção do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), tendo assim, estudantes em sua maioria vindos de escolas públicas, pobres e negros.

Uma das intenções dessa ala que tenta destruir a proposta da universidade tem sugerido que todos os estudantes atualmente matriculados no BI-Saúde (bacharelado interdisciplinar de Saúde) tenham acesso ao curso de Medicina, de modo escalonado.

Dessa forma, atrasaria e extinguiria a oferta do curso de medicina para as turmas seguintes. Afinal, os estudantes não classificados para medicina no ano em curso, aguardariam as vagas do ano seguinte e, consequentemente, seria assim com todos os próximos períodos. Isso levaria ao esgotamento das vagas do curso de medicina em 2019, como demonstra o gráfico:

“Pelo exposto, tal proposta infligirá danos severos ao projeto da UFSB e ao modelo pedagógico da universidade e, por extensão, ao movimento pela promoção da saúde, ao SUS, ao projeto político de uma universidade socialmente inclusiva, e à educação superior pública”, finalizou o ex-reitor.

Confira na íntegra a carta do ex-reitor da UFSB, Naomar Almeida Filho clicando no arquivo abaixo: