23ª Conferência do PCdoB-CE – Comenda Bergson Gurjão a Francis Vale
Confira a íntegra da homenagem de Benedito Bizerril, em nome do PCdoB-CE, a Francis Vale:
Publicado 21/10/2017 18:34 | Editado 04/03/2020 16:23
Quando direcionamos nosso olhar para o Brasil dos anos de 1960 e a sua trajetória até os dias atuais, descortina-se uma história marcada, de um lado, por uma permanente busca de construção de um país democrático, soberano e próspero, bem como de um florescimento exuberante em todos os segmentos das artes e da cultura, e, de outro lado, vincada por graves atentados à democracia, à liberdade de expressão, aos direitos e conquistas econômicas e sociais dos trabalhadores e do povo, com submissão do Brasil aos interesses de países imperialistas. Intercalam-se momentos de avanços e de graves retrocessos.
Nessa continuada e persistente luta do povo brasileiro na construção de seu próprio destino e de um futuro próspero e digno, muitos de seus atores se sobressaem como organizadores, divulgadores e combatentes dessa transformadora e desafiante causa.
Aqui, no Ceará, profícua tem sido a contribuição para esse excepcional e incessante combate. Homens e mulheres, de diferentes idades e gerações, têm dedicado suas vidas, saberes e trabalho em prol desse grandioso empreendimento.
Hoje, encontra-se aqui, entre nós, uma dessas valorosas personalidades, Francis Gomes Vale, advogado, funcionário aposentado da Fazenda Estadual, compositor e autor musical, roteirista e diretor de cinema. Nascido em Belém do Pará, mas vivendo no Ceará desde seus quatro anos, inicialmente em Crateús e, desde dos seis anos de idade, em Fortaleza.
No limiar dos anos 60, no contexto da chamada “guerra fria” polarizada pelos Estados Unidos e União Soviética, o Brasil vivia período de grande efervescência política e de intensa luta ideológica que se espraiavam em todos os recantos do país, envolvendo as diferentes classes e segmentos sociais, no debate sobre os rumos a serem trilhados para romper com o subdesenvolvimento, desvencilhar-se da submissão ao imperialismo, notadamente o estadunidense, e alcançar o progresso econômico e social.
Nessa quadra, o jovem Francis, aluno do Liceu do Ceará, tem seus primeiros contatos com o pensamento de esquerda, através de jornais e outras publicações de forças políticas que comungavam com essas ideias.
Em 1963, ingressa na Faculdade de Direito da UFC e, logo a seguir, se incorpora ao PCB – Partido Comunista Brasileiro, passando a atuar no movimento estudantil universitário. Com o golpe de 1964 e o advento do regime militar, aprofunda-se no âmbito da esquerda o debate sobre os caminhos da revolução brasileira
Nesse contexto, Francis e alguns outros militantes do PCB, com atuação no meio universitário, em 1965 se desligam daquela organização e aderem ao Partido Comunista do Brasil – PCdoB, que naquele período se reestruturava no Ceará.
É, então, constituído o primeiro Comitê Universitário do PCdoB no Estado do Ceará, do qual Francis participa originariamente.
Na sequência, Francis é chamado a integrar o Comitê Regional do PCdoB, como então era denominado o órgão de direção estadual.
Na direção estadual, além de outras importantes responsabilidades no processo de construção e expansão do Partido no Estado, Francis tinha a incumbência de dar assistência aos Comitês Universitário e Secundarista.
Na função de dirigente do PCdoB, atuando nessa frente, participa intensamente da estruturação do Partido e da elaboração de uma linha política ampla e ousada para a retomada do movimento universitário e da reconstrução dos centros e diretórios acadêmicos e do DCE, que haviam sido destroçados em 64, com o golpe militar.
Naquele período, muitos são os jovens quadros universitários do Partido que se distinguem por suas qualidades, abnegação e firmeza, dentre os quais o estudante de engenharia e presidente do Centro Acadêmico, Carlos Augusto Diógenes Pinheiro, o nosso Patinhas, que, aliás, foi “recrutado” para o Partido pelo Francis; Sérgio Miranda, que também se destacaria nacionalmente como um valoroso membro do Comitê Central e deputado federal; e Bergson Gurjão, que, combatendo nas Forças Guerrilheiras do Araguaia, deixaria seu nome gravado na galeria dos mártires e heróis do povo brasileiro.
A influência do PCdoB nos movimentos estudantis universitário e secundarista do Cearás e desenvolve, assumindo protagonismo na resistência democrática à ditadura e como força política vitoriosa em eleições para as diretorias do DCE e de diversos Centros e Diretórios Acadêmicos.Tal fortalecimento no plano estadual contribui para um maior protagonismo do PCdoB no cenário nacional, onde lideranças cearenses se sobressaem com forte atuação na União Nacional dos Estudantes, a exemplo de João de Paula e de José Genoíno, entre outros.
Em 1969, perseguido pelo regime militar, Francis entra na clandestinidade e é deslocado pelo Partido para Belém, no Pará, onde prossegue sua militância.
Retorna ao Ceará em 1971 e se desligada organização partidária. Não obstante, preserva sua identificação com a linha política do PCdoB, colaborando, no decorrer dos anos, em algumas atividades partidárias.
Foi um dos fundadores do jornal Mutirão, combativo jornal cearense da imprensa alternativa, nos anos de 1977/1982, que se constituiu em importante instrumento da resistência democrática e popular. No Mutirão, Francis contribuiu na organização, promoção de eventos artísticos e campanhas para arrecadação de recursos, e também elaborando textos.
Integrou, mais recentemente, a coordenação estadual da Fundação Maurício Grabois, tendo, em 2014, participado, como membro da comissão organizadora, do vitorioso e concorrido “Reencontro de Participantes da Resistência à Ditadura Militar”, uma iniciativa conjunta dessa Fundação e do PCdoB.
Ademais, há que se realçar que os compromissos e ideais de Francis, inspirados nos anseios transformadores e de construção de uma sociedade mais justa, humana e solidária, sempre extrapolaram às suas atividades no campo da política, assumindo uma outra dimensão através das artes e da cultura, como forma de valorização dos sentimentos, tradições e lutas de nossa gente.
Apaixonado por cinema, desde muito jovem passa a frequentar, em Fortaleza, o Clube do Cinema, integrando-se ao seleto grupo de apreciadores e críticos da cinematografia. Daí emerge o roteirista e diretor de cinema, realizador de rica e vasta produção, merecedor do reconhecimento e aplausos de críticos e de aficionados dessa apreciada arte.
Dentre os seus variados e talentosos trabalhos na cinematografia, mister se faz destacar os documentários “Dom Fragoso” e “Trem da Alegria –Arte, Futebol e Ofício”, que exprimem, em situações e ambientes distintos, diferentes e criativas formas de construção de trabalhos solidários em tempos de cerceamento das liberdades democráticas.
Francis também incursiona na área musical, como autor e compositor de belas canções, gravadas por consagrados cantores e cantoras, a exemplo de “Apaixonadamente”, em parceria com Stélio Vale e “Palavra Viva”, com Manassés de Souza, entre tantas outras composições.
Em razão dessa pujante trajetória de vida dedicada à construção de uma sociedade mais justa, solidária e humana e pelo cultivo e devotamento às artes e à cultura como instrumentos de expressão dos mais belos sentimentos, tradições e luta do povo brasileiro, a 23ª Conferência Estadual do PCdoB, tem a honra de conceder ao companheiro Francis Vale, a Comenda Bergson Gurjão, instituída para homenagear “as pessoas e instituições que se empenharam em prol da dignidade humana, do bem estar do povo, da democracia, da liberdade e de um Brasil justo”.
Francis, receba o fraternal e carinhoso abraço de toda a militância do PCdoB, desde os mais vividos, que, ao seu lado, participaram, em tempos tenebrosos, do tenaz combate à ditadura e da desafiante construção do Partido, aos mais jovens que, imbuídos dos mesmos ideais libertários e transformadores, se empenham nos dias atuais na luta para vencer a grave e profunda crise que se abate sobre nosso país, almejando melhores dias para nosso povo.
Fortaleza, 21 de outubro de 2017
Benedito Bizerril
Fotos: Regiane Oliveira