Lilya Brik, a mulher que deu rosto à Revolução
Um resultado do florescimento artístico e da experimentação criativa na Rússia Revolucionária foi a foto que ilustra essa matéria. O cartaz foi desenhado pelo artista Ródchenko em 1924 a partir da fotografia de Lilya Brik, não só musa, mas protagonista ativa da revolução de 1917
Por Alessandra Monterastelli *
Publicado 10/11/2017 17:34
Aleksandr Rodchenko, o autor da montagem, trabalhou como escultor, pintor, artista gráfico, fez cartazes para cinemas e teatros, para fábricas e desenhou capas de discos e móveis. Entre 1922 e 1926 dedicou-se a fotomontagens, como esta, que se tornou uma das imagens mais icônicas produzidas no século passado (e presente). Libertos dos limites do realismo, artistas uniram ilustrações e fotografias para criar cartazes dramáticos e modernos que desafiavam os limites da arte, e Rodchenko foi um deles. Se dedicou a fotografia por sentir que esta estava predestinada a oferecer com mais realidade as impressões confusas às quais os moradores das grandes cidades estão expostos em seu dia a dia.
Rodchenko também fotografou Brik em uma capa para a revista LEF, panfletos de propaganda do “comando social” e fotomontagens. Foi fotografada por Martine Franck em 1976. Em 1923, o rosto de Lily com olhos arregalados ilustrou a capa de Pro Eto, poema de Vladimir Maiakovsky. Pablo Picasso, com quem ela também conviveu, teria lhe apelidado de “a musa da vanguarda Russa”. E ela foi mesmo. Mas não só: Lilya não só deu cara à revolução, como também participou ativamente dela, criando.
Foto: Lilya Brik em vestido Dourado, 1924. Por Alexander Rodchenko
Aos 20 anos casou-se com Osip Brik, poeta futurista. Seu casamento, influenciado pelas novas ideias progressistas e revolucionárias, foi pouco convencional para os padrões da época. O companheirismo viria a frente da monogamia e, com essa liberdade, manteve uma relação com o poeta russo Vladimir Mayakovsky, antes companheiro de sua irmã. Quando esta foi morar em Paris, as duas continuaram mantendo correspondência, nunca havendo ressentimento. Em uma carta de Mayakovsky para Lilya, amor de sua vida, ele escreveu: “o amor é vida. O amor é o coração de tudo. Se ele interromper o seu trabalho, todo o resto morre, faz-se excessivo, desnecessário. (…) sem você não há vida. ”
Formada em arte e arquitetura pelo Instituto de Moscou, Brik produziu e dirigiu o documentário "Jews on the land", sobre fazendas coletivas judaicas na Rússia, com roteiro de Maiakovski e Viktor Shklovsky. Em 1929, dirigiu o filme "Steklyanny glaz" (O olho de vidro), uma paródia sobre "cinema burguês". Além disso, ela praticou balé, atuou e também escrevia poesia.
Lilya viveu uma vida artística e estimulante. É reconhecida até hoje como uma percursora da arte soviética, alguém que influenciou e inspirou outros talentos emergentes. Quando foi diagnosticada com uma doença terminal em 1978, cometeu o suicídio, para que nunca tivesse que depender de outra pessoa. Tinha 86 anos e uma história incrível deixada para trás, que mais tarde lhe deu a imortalidade.
Mulher de personalidade forte e presença marcante, não foi a única artista do movimento construtivista russo pós-revolução. Segundo a curadora de arte e historiadora britânica Briony Fer, em seu livro “Realismo, racionalismo, surrealismo – a arte no entre-guerras”, “um traço notável da vanguarda russa pré e pós-revolucionária era o fato de contar, entre seus membros, com uma proporção de mulheres artistas bem maior do que qualquer outro movimento de vanguarda."
Além disso, a Imagem da mulher, incluída no movimento dos trabalhadores russos, foi amplamente utilizada pela propaganda soviética. Neles, as mulheres são representadas como peça chave na sociedade, fortes, inteligentes, como são. O "agitprop", termo cunhado pela abreviação das palavras agitação e propaganda, foi utilizado como ferramenta de divulgação dos ideais marxistas-leninistas a operários e trabalhadores, muitas vezes tendo a mulher como protagonista.
Os cartazes soviéticos, assim, não só revolucionaram a estética- como aqueles coloridos e ousados para longas inovadores em preto e branco que surgiram no cinema em 1920-, como também a ordem social da época no momento em que colocam a mulher como protagonista; contrastando, por exemplo, de propagandas norte-americanas entre 1930 e 1960, fortemente machistas.
No segundo, temos a publicidade de uma marca de gravata norte-americana. Nela, a mulher, representada como esposa, está ajoelhada ao lado do marido, em posição serviçal e submissa, oferecendo-lhe o café da manhã. O texto diz: "mostre a ela que o mundo é dos homens" ou "mostre a ela que é um mundo de homens".