Depois de golpe militar o futuro do Zimbabwe é incerto 

Após demitir seu vice-presidente para que a primeira dama pudesse sucede-lo na corrida presidencial, Mugabe, o líder mais velho do mundo e há 37 anos governando o Zimbabwe, foi detido por militares, que tomaram o poder provisoriamente, segundo eles mesmos declararam. Tanques estão nas ruas e o futuro do país é incerto 

mugabe - AFP

O nonagenário presidente do Zimbábue (16 milhões de habitantes), Robert Mugabe, foi preso pelo Exército em sua casa, em Harare. As Forças Armadas, mobilizadas desde terça-feira (14) na capital do país, tomaram o controle das principais instituições zimbabuanas, as sedes da televisão e do partido governista União Nacional Africana do Zimbábue-Frente Patriótica (ZANU-PF, na sigla em inglês); militares e tanques ocupam as ruas. A conta do Twitter do partido informou que o até agora ex-vice-presidente Emmerson Mnangagwa, de 75 anos, assumirá o Governo interinamente. Embora um porta-voz do Exército tenha anunciado na quarta-feira (15) que se tratava de uma operação contra “criminosos” do entorno de Mugabe, tudo indica que se trata de um golpe de Estado em um dos países mais pobres do mundo.

O conflito começou quando Mugabe escolheu sua esposa, a primeira-dama Grace Mugabe, para sucede-lo, e não o poderoso vice-presidente, companheiro de armas na guerrilha e seu braço direito durante décadas, Emmerson Mnangagwa.

A demissão de Mnangagwa foi vista como um primeiro passo por Mugabe para que fosse Grace Mugabe a sucessora. No entanto, a decisão culminou na intervenção dos militares, o que o presidente chamou de “traição”.

Com o Parlamento fechado, tanques e soldados nas ruas, e um militar a anunciar na televisão a tomada de poder, este é um golpe especial – aliás, o militar apressou-se a dizer que “este não é um golpe de Estado militar contra o Governo”. O que os militares pretendem é manter o poder nas mãos de uma facção do partido dirigente e reverter o afastamento do vice-presidente. Contudo, Mugabe foi eleito, sendo assim, em tese, é legítimo no poder.


Um veículo blindado na manhã de quarta-feira (15), na rua onde fica a sede da presidência, em Harare / Foto: Tsvangirayi Mukwazhi 

Mugabe encontra-se detido na “Casa Azul”, a mansão presidencial, e argumenta que deve ficar em seu posto até as eleições do ano que vem.

Trata-se de um golpe o que está acontecendo no Zimbabwe? Marcolino Moco, ex-primeiro-ministro angolano, defende que “não podemos ser excessivamente formalistas”. E explica: “Eu que venho de Direito, o que sei é que seja o que for que está a acontecer não pode ser pior do que a situação a que Mugabe tinha levado o país”, diz o ainda membro do MPLA, partido no poder em Angola.


A situação nas ruas de Harare, patrulhadas pelos militares / Foto: Aaron Ufumeli- EPA

Uma transição, com o apoio dos militares, que afaste Mugabe, segundo ele, “só pode ser mais favorável para os zimbabweanos do que o nível de abuso a que Mugabe tinha chegado”, que, aos 93 anos, deveria deixar o país com os africanos jovens, que não viveram o colonialismo e que têm uma visão mais aberta e moderna do mundo.

Ao mesmo tempo, a oposição de Mugabe gera dúvidas. O vice-presidente tem fama de poder ser brutal: foi responsável pelos serviços de segurança do Zimbabwe – e assim provavelmente teve um papel em atrocidades cometidas nos anos 1980 como os massacres de Matabeleland (onde segundo o historiador Stuart Doran poderão ter sido mortas 20 mil pessoas).

Contexto

Durante quatro décadas de poder, Robert Mugabe sempre conseguiu controlar os acontecimentos que ameaçaram o seu poder: de sanções internacionais a uma oposição destinada a vencer eleições. Mas acabou por ser uma ação sua que pôs em movimento uma cadeia de acontecimentos de desfecho imprevisível e que ontem estava neste ponto: Robert Mugabe, 93 anos, o líder mais velho do mundo, estava preso em sua casa por elementos do Exército.

Mugabe, de 93 anos, foi um dos principais líderes da luta pela independência, nos anos setenta. A guerra entre os nacionalistas negros e o regime branco de Ian Smith, apoiado pelo Reino Unido, causou a morte de quase 30.000 pessoas. Em abril de 1980, a então Rodésia, em homenagem a Cecil Rhodes, empresário e político britânico protagonista das aventuras coloniais de Londres na África, obteve a independência. O líder da União Nacional Africana do Zimbábue (ZANU, na sigla em inglês), Robert Mugabe, foi nomeado primeiro-ministro. Entre os objetivos do novo Governo independente estava, sem dúvida, a reforma agrária, ainda hoje uma das questões pendentes para reativar a pobre economia do país, marcada a fogo, segundo revelou recentemente a agência Reuters com exclusividade, por líderes do partido governista vinculado hoje à prisão de Mugabe.

O general Constantino Chiwenga, atual chefe das Forças Armadas, alertou na segunda-feira (13), em um pronunciamento público, contra os expurgos de Mugabe. No dia 6, o presidente havia destituído Mnangagwa. Mas os expurgos internos não eram novidade durante os quase 40 anos de mandato de Mugabe. Um dos seus aliados na guerra da independência, Joshua Nkomo, líder da União Africana Popular do Zimbábue (ZAPU, na sigla em inglês), foi nomeado ministro do Interior em seu primeiro Governo. Em fevereiro de 1982, Nkomo foi acusado de estar por trás de um golpe e foi destituído. A luta entre facções fez milhares de mortes no país. Cinco anos depois, Mugabe reformou a Constituição e instaurou um regime presidencialista do qual foi seu maior expoente até esta quarta-feira (15). 

O líder empreendeu uma reforma agrária no país, que não teve sucesso, levando a uma crise intensa e gerando diversas polêmicas.

O que se sabe até o momento é que está acontecendo um golpe no Zimbabwe, mas os próximos acontecimentos são por hora duvidosos.