Entrevista com Stalin gera polêmicas na Folha e no DCM

Em janeiro/98, o  jornal Folha de SP publicou a série “Entrevistas Históricas”, com reportagens feitas nos anos 1930. Numa delas, o escritor H. G. Wells entrevista Josef Stálin, líder da URSS. Vinte anos depois, a Folha republicou a entrevista em sua página no Facebbok. O Diário do Centro do Mundo foi lá e viu que a publicação foi alvo de comentários reacionários. Porém, o que não se esperava é que a publicação na página do DCM gerasse polêmicas. Confira a entrevista e tire as suas conclusões.

Josef Stálin

H.G. WELLS – Estou em dívida com o senhor, sr. Stálin, por ter aceito me receber. Meu objetivo aqui é perguntar o que o senhor está fazendo para mudar o mundo.
JOSEF STÁLIN – Não estou fazendo grande coisa.

WELLS – Percorro o mundo como uma pessoa comum e observo o que ocorre ao meu redor.
STÁLIN – As celebridades importantes, como o senhor, não são gente comum. Naturalmente, só a história dirá quem foi importante. Seja como for, o senhor não contempla o mundo com os olhos de um homem comum.

WELLS – Não pretendia pecar pela modéstia. Quero dizer que tento ver o mundo através dos olhos do homem comum, não como o faria um político ou um responsável pela administração.
STÁLIN – Não há, ou não deveria haver, um confronto irreconciliável entre o indivíduo e o coletivo, entre o interesse pessoal e o social. O coletivismo e o socialismo não negam, mas combinam, os interesses do indivíduo com os da coletividade. Somente a sociedade socialista pode chegar a satisfazer os interesses do indivíduo.
Por um lado, temos uma classe que possui bancos, minas, transportes, plantações nas colônias. Para essa gente, não existe outra coisa além de seu próprio interesse. Não se submete à vontade do coletivo, mas luta para subordiná-la aos seus desejos. Por outro lado, temos a classe dos despossuídos, dos explorados, que não possui fábricas ou bancos, que tem de sobreviver vendendo sua força de trabalho aos capitalistas e não tem meios para satisfazer as suas necessidades mais elementares. Como é possível conciliar interesses tão diferentes?

WELLS – Protesto contra essa classificação simplista da humanidade em pobres e ricos. Existem muitas pessoas competentes que reconhecem que o atual sistema é insatisfatório e que desempenharão um importante papel na sociedade capitalista do futuro.
STÁLIN – Vejamos, o senhor rejeita como simplista a divisão da humanidade em pobres e ricos. Naturalmente, existe um estrato intermediário; existe a ”intelligentsia”, em cujo seio existe gente boa e honrada. Mas também existem pessoas malvadas e desonestas. Acima de tudo, os homens se dividem em ricos e pobres, em proprietários e explorados. Passar por cima da luta entre as classes principais significa negar o evidente. A batalha começou. Seu resultado será determinado pela classe trabalhadora.

WELLS – Não existe muita gente que, sem ser pobre, é produtiva?
STÁLIN – Naturalmente, existem pequenos proprietários rurais, artesãos, pequenos comerciantes. Mas não são essas pessoas que decidem o destino de um país, mas sim as massas trabalhadoras, que se esfalfam para produzir tudo aquilo que a sociedade precisa.

WELLS – Gostaria de destacar que, nos países de língua inglesa, há um reconhecimento, cada vez mais generalizado, de que o sistema baseado nos benefícios individuais está ruindo. Tenho a impressão de estar mais à esquerda que o senhor, sr. Stálin. Estou mais convencido de que o velho sistema chega ao seu fim.
STÁLIN – Quando digo que os capitalistas só querem ficar ricos, não quero dizer com isso que se trate de gente sem valor algum. Indubitavelmente, alguns possuem grande talento como organizadores. Nós, os soviéticos, aprendemos muito dos capitalistas. Mas, se do que estamos falando é de gente disposta a reconstruir o mundo, não se poderá encontrá-la nas fileiras de quem serve fielmente à causa do próprio enriquecimento. Estamos em pólos opostos.
Hoje em dia, os melhores intelectuais e técnicos estão nas primeiras filas dos construtores do socialismo.
Depois da experiência vivida, não estamos propensos a subestimar as vantagens e inconveniências da ”intelligentsia”. Mas não devemos dar a impressão de que os intelectuais e técnicos podem desempenhar um papel histórico independente. A transformação do mundo é um processo complicado e doloroso para o qual se necessita uma grande classe. Só os grandes barcos realizam longas viagens.

WELLS – Sim, mas para uma longa viagem é preciso um capitão e um navegador.
STÁLIN – Muito certo. Mas, antes de tudo, temos que dispor de um grande barco. O que é um navegador sem um barco? Um inútil.

WELLS – O barco é a humanidade, não uma classe.
STÁLIN – Evidentemente, o senhor pressupõe que todos os homens são bons. Eu, ao contrário, não esqueço que existem muitos homens malvados. Não acredito na bondade da burguesia.

WELLS – Se existe alguém que sabe algo sobre revolução, do ponto de vista prático, é o senhor. As massas realmente se rebelam? Não é uma verdade universalmente aceita que todas as revoluções são obra de uma minoria?
STÁLIN – Para levar adiante uma revolução é preciso uma minoria revolucionária que a lidere. Mas, mesmo a minoria mais dedicada e capaz, não conseguirá nada sem o apoio de milhões de pessoas.

WELLS – Quando vejo a propaganda comunista no Ocidente, me parece antiquada, por se tratar de propaganda a favor da insurreição. Derrubar pela violência o sistema social é válido quando se trata de uma tirania. Mas, nas atuais circunstâncias, deveríamos enfatizar a eficácia e a competência.
STÁLIN – Naturalmente, o velho sistema está desmoronando. O senhor extrai uma conclusão errônea de um postulado correto. Afirma, acertadamente, que o velho mundo está vindo abaixo, mas se equivoca ao pensar que o faz espontaneamente. A substituição de um sistema social por outro é um processo revolucionário complicado e longo. Não é um simples processo espontâneo, mas uma luta, um processo vinculado ao choque de classes.
Tomemos como exemplo o fascismo: é uma força reacionária que tenta preservar o velho mundo por meio da violência. O que faria o senhor? Tentaria convencê-los? Não teríamos êxito. O comunismo não idealiza a violência, mas tampouco pode contar com que o velho mundo abandone voluntariamente a cena.
Ao contrário, vê como ele se defende com unhas e dentes e, por isso, diz à classe trabalhadora que responda à violência com violência, que não permita que lhe algemem as mãos com as quais haverá de derrubar o sistema. Nós, comunistas, não cremos que a substituição de um sistema social seja um processo espontâneo e pacífico, mas longo e violento.

WELLS – Estou bastante agradecido por esta conversa. Significou muito para mim. Ao senhor, provavelmente, lhe trouxe à memória os tempos em que explicava os princípios do socialismo em círculos clandestinos, antes da revolução. Ainda não pude verificar o que fizeram em seu país, porque acabo de chegar. Mas já tive a oportunidade de ver rostos felizes de homens e mulheres saudáveis e estou convencido de que está acontecendo algo de proporções consideráveis. O contraste com 1920 é surpreendente.
STÁLIN – Muito mais poderia ter sido feito se os bolcheviques tivessem sido mais inteligentes.

WELLS – Não, se os seres humanos fossem mais inteligentes.
STÁLIN – Não pensa ficar para o Congresso do Sindicato Soviético de Escritores?

WELLS – Infelizmente tenho vários compromissos a cumprir e só poderei permanecer uma semana na Rússia. Vim especialmente para ver o senhor e fiquei muito satisfeito com a nossa conversa. Mas também pretendo falar com o maior número de escritores soviéticos para que se filiem ao Pen Club. Trata-se de uma organização internacional de escritores, da qual sou presidente. Insiste particularmente na livre expressão de opiniões, inclusive da oposição. Não sei se os senhores estão preparados para tanta liberdade.
STÁLIN – Nós, os bolcheviques, chamamos isso de autocrítica. É algo amplamente difundido na Rússia.

Tradução de Claudia Rossi.