Alemanha: com acordo sobre refugiados, outras dificuldades persistem

O SPD tenta obter mais concessões dos conservadores para aumentar as hipóteses de um acordo de governo para a grande coalização seja aprovado no referendo feito pela base de seu partido, que ainda é contra a aliança. Existe solução perfeita para o SPD?

Angela Merkel e Martin Schulz - EPA

Quinto dia de negociações, o primeiro anúncio de acordo: os conservadores (CDU e CSU) e sociais-democratas (SPD) chegaram a uma posição comum em relação à política de refugiados. A discussão girava em torno do direito de reunificação familiar, que foi suspenso para refugiados com um certo estatuto de proteção até maio desse ano – a maioria dos refugiados chegou à Alemanha em 2015, portanto muitos dos que vieram sozinhos continuam a espera de uma possibilidade para que a família possa se reunir no país de acolhimento. A grande coligação antiga impediu a reunião familiar, temendo a chegada de mais refugiados; agora, o SPD não quer mais limites. Segundo o acordo reportado pela mídia alemã, será possível a entrada na Alemanha de até mil familiares de refugiados por mês.

Os jovens militantes sociais-democratas continuam uma ofensiva contra a grande coligação, por meio de uma campanha para novos membros se inscreverem e votarem contra a possível aliança no referendo que será feito após o acordo do governo- e que será essencial para a sua consolidação.

Enquanto isso, a liderança do SPD negocia um acordo e tenta incluir algumas bandeiras sociais-democratas no programa de governo. O líder do partido, Martin Schulz, argumenta que por meio de uma coligação com o partido conservador de Merkel (CDU), haveria a possibilidade de fazer alguma diferença no poder, fazendo com que o governo tome algumas posições "mais a esquerda" em áreas como o trabalho ou na política europeia, aproveitando as propostas de reformas do presidente francês, Emmanuel Macron, para mudar a política da Europa e em especial da zona euro.

Contudo, o líder da Juventude Social-Democrata, Kevin Kühnert, a cara da oposição ao acordo, argumenta que não há mandato para a “grande coligação”, já que os dois partidos que a formaram o governo anterior diminuíram substancialmente a sua votação nas últimas eleições (o SPD com o pior resultado do pós-guerra, a CDU com o segundo pior). Segundo ele, o partido não conseguirá impor nenhuma das suas propostas caso se junte a um governo de Angela Merkel e que a melhor coisa a se fazer seria o SPD se tornar a principal força de oposição, reinventando-se e ganhando espaço para o pós-Merkel com bases mais fortes e impedindo assim que o partido de extrema-direita Alternativa para a Alemanha (AfD)- que conquistou 13% dos votos nas eleições de setembro de 2017- seja a principal força de oposição.

O  professor de Ciência política da Universidade Livre de Berlim, Thorsten Faas, e o especialista em política Gero Neugebauer, que há anos acompanha o SPD, deram entrevista ao jornal português Público sobre o assunto. Para Faas, "não há uma solução perfeita", enquanto que Neugebauer avalia que “é preciso recuar para os anos 1950 para encontrar uma situação comparável” em termos de dificuldade e de angústia existencial “sobre o perfil do partido, o programa político, a sua base social, se é um partido de classe ou massas”.

Atualmente, o SPD já não é um “partido do povo”, no sentido em que oferece um pacote total aos eleitores, defende Neugebauer para o jornal – várias das suas bandeiras são também temas de outros partidos. Além disso, o partido de centro-esquerda passou de 40% para os 20% na última votação. A mais recente sondagem, feita após a continuação das negociações, dá 17,5% de intenções de voto ao SPD.

Os membros que se inscreverem até dia 6 de fevereiro podem votar no referendo, mesma data em que os líderes do SPD esperam que as negociações para a coligação terminem.

Confira a seguir outros pontos que devem ser discutidos nas negociações para formar a coligação entre os sociais-democratas (SPD) e os conservadores de Merkel (CDU): 

Saúde

O SPD quer acabar com o sistema duplo de seguro de saúde, público e privado, criando um único seguro com contribuições públicas e privadas, que assegurasse taxas de pagamento iguais. O projeto é rejeitado pelos conservadores da CDU já que viria a configurar uma grande mudança. 

Trabalho

A flexibilidade na contratação é vista como um dos fatores que contribuem para que a Alemanha tenha uma baixa taixa de desemprego (cerca de 5% em 2017). Contudo, isso se dá as custas de empregos muito precários, com a proliferação de contratos trabalhistas negociáveis em muitas áreas, tanto em trabalhos pouco qualificados, por exemplo empregos temporários em restaurantes e hóteis, como em outros muito qualificados, por exemplo nas universidades. Os contratos a prazo (que representarão cerca de 8 a 9% de todos os contratos) podem ser de dois tipos, justificados (por um projeto com duração limitada ou pela situação financeira da empresa) ou não justificados (que podem ser renovados). O SPD gostaria de tornar pelo menos mais difícil a possibilidade de ter contratos a curto prazo sem justificativa para tal.