A dois minutos da meia noite

Os EUA aumentam brutalmente o seu orçamento militar, propõem-se a desenvolver novas armas atômicas e admitem usá-las para atacar primeiro. Desde 1953 que a probabilidade de um holocausto nuclear nunca foi tão grande. Daqui ninguém sai vivo

Por André Levy *

Armas nucleares EUA - Hanna Barcyk/The New York Times

No final de janeiro, o Relógio do Juízo Final avançou 30 segundos, ficando a dois minutos da meia noite. Esse relógio, mantido desde 1947, é um indicador simbólico da probabilidade de uma guerra nuclear. Desde 1953 que não está tão perto da meia noite.

Na sua declaração, o Boletim de Cientistas Atômicos, grupo que mantém o relógio, justificou a alteração referindo-se a tensão, retórica hiperbólica e ações de provocação entre a Coreia Popular e os EUA; a ausência de quaisquer negociações de controle de armas nucleares entre os EUA e a Rússia; as tensões no Mar do Sul da China; a escalada retórica entre o Paquistão e Índia; e a incerteza sobre o futuro apoio do EUA ao acordo nuclear com o Irã. Sublinham também como preocupação global transversal o declínio de liderança dos EUA e o declínio da diplomacia sob a Administração Trump: "nem aliados nem adversários têm sido capazes de prever com segurança as ações dos EUA ou compreender quando as declarações dos EUA são reais e quando são mera retórica. A diplomacia internacional tem sido reduzida a gritar xingamentos, criando a impressão surreal de uma irrealidade que torna a situação de segurança no mundo ainda mais ameaçadora".

Essa alteração aconteceu dias antes do discurso do estado da união do Presidente dos EUA, no qual Donald Trump apontou como objetivo a "modernização e reconstrução do arsenal nuclear" dos EUA, envolvendo um orçamento plurianual de pelo menos USD$1.2 bilhões (sim, milhões de milhões) para, entre outros programas, desenvolver novos mísseis balísticos lançados de submarinos e ogivas de baixo rendimento. E teve lugar antes do anúncio, no início de fevereiro, da nova Revisão de Postura Nuclear dos EUA, que expande o número de cenários nos quais os EUA consideraria usar uma arma nuclear, incluindo em resposta a um ciberataque, e admite a opção de primeiro ataque nuclear para defender os "interesses vitais" dos EUA e seus aliados e parceiros, incluindo ataques significativos não-nucleares à população civil ou a infraestruturas.

Beatrice Fihn, diretora executiva da Campanha Internacional para a Abolição das Armas Nucleares (ICAN), organização que ganhou o Prémio Nobel da Paz em 2017 — descreveu a nova postura nuclear dos EUA como "perigosa. Isso só aumenta o risco de uma guerra nuclear. É uma política que baixa o limiar para se usar armas nucleares e desenvolve novos tipos de armas nucleares que seriam mais fáceis de serem usadas pelo Presidente Trump". Fihn referiu ainda como todos os nove estados com armas nucleares possuem grandes programas de atualização e modernização, em um novo tipo de corrida de armas, em direção contrária à procura de desarmamento nuclear das mais de 120 nações do mundo que aprovaram o tratado que proíbe armas nucleares.

A Postura Nuclear argumenta que armas nucleares de baixo rendimento, sendo de uso mais provável, servirão de dissuasor. Mas isto é apenas uma ligeira adaptação da lógica de Destruição Mutuamente Assegurada (MAD) que esteve por detrás da Guerra Fria e da corrida de armas entre os EUA e a URSS, uma lógica desajustada para vários atuais focos de tensão. O enorme arsenal dos EUA não impediu a Coreia Popular de procurar desenvolver uma arma nuclear. Pelo contrário, foi o seu principal instigador. Mais e novas armas não significam mais segurança, apenas maiores perigos.

No início desta semana, a Casa Branca enviou para o Congresso a sua proposta de orçamento, que fornece um indicativo das prioridades políticas da Presidência. Contrariamente à retórica populista de Trump durante a campanha, a proposta aponta para uma gigantesca expansão do défice orçamental. Isto apesar de cortes significativos em diversos programas federais, como cortes nos subsídios médicos para os mais pobres e os idosos (Medicaid e Medicare); cortes em programas de assistência alimentar (SNAP); cortes em departamentos federais, como um decréscimo de 34% no orçamento da Agência de Protecção Ambiental, incluindo eliminação de todos os programas relacionados com alterações climáticas, e um corte de 65% no gabinete do Departamento de Energia sobre energias renováveis.

O défice cresce apesar dos cortes devido, por um lado, aos recentes benefícios fiscais que favoreceram principalmente as grandes fortunas e empresas e, por outro lado, o aumento do orçamento militar. Trump pede para 2019 USD$617 mil milhões para o Pentágono e $69 mil milhões para financiar os atuais conflitos militares, um aumento de 13% face a 2017; os EUA já gastam mais nas suas forças militares que o total de oito nações que se lhe seguem. O orçamento do Pentágono inclui $24 mil milhões para a modernização da estrutura de Comando, Controlo e Comunicações Nucleares (a chamada tríade, NC3) e a Agência de Defesa Míssil. (Nos próximos dias o Departamento de Defesa deverá emitir a Revisão da Defesa contra Mísseis Balísticos, delineando o reforço do escudo anti-míssil dos EUA, em particular face ao Irão, China e RDP da Coreia.)

Além desse reforço do orçamento do Pentágono acrescem despesas militares de outras agências, incluindo $30 mil milhões para o Departamento de Energia. Particularmente beneficiada é a Administração Nacional de Segurança Nuclear, um gabinete semi-autónomo do Departamento de Energia, que coordena o desenvolvimento, produção e segurança das armas nucleares. A proposta orçamental prevê um aumento de 17.5% para esta agência, totalizando $15.1 mil milhões, um reforço destinado ao desenvolvimento de novas armas nucleares

É esta realidade que levou Beatrice Fihn a concluir que "existem apenas duas possíveis conclusões para esta história: ou o fim das armas nucleares ou o fim de nós todos".