Afinal, há ou não crise humanitária na Venezuela?

A Carta Maior acaba de publicar um artigo afirmando que “os meios de comunicação exercem um tipo de censura peculiar”, onde “sonegam do público informações que poderiam dar-lhe visão mais ampla dos fatos e a oportunidade de tirar suas próprias conclusões”.

Por Aline Piva

Crise de abastecimento na Venezuela - Juliana Afonso / RBA

Se a tendenciosidade da mídia corporativa não é nenhuma novidade, é cada vez mais difícil essa mesma mídia esconder o fato de que escolhe a dedo aquilo que explora e aquilo que invisibiliza, justamente para construir matrizes de opinião que mais desinformam do que qualquer outra coisa.

E um exemplo particularmente icônico desse modus operandi é a situação na Venezuela – especialmente quando se aproximam processos eleitorais no país vizinho. E um desses fatos que vêm sendo sistematicamente sonegado é o relatório apresentando por Alfred de Zayas, consultor independente da ONU que esteve na Venezuela no fim do ano passado, afirmando que na Venezuela, ao contrário do cenário desolador que nos é apresentado todos os dias pela mídia corporativa, não existe uma “crise humanitária”, mas sim, uma guerra econômica que vem sendo deliberadamente implementada.

E a quem interessa reforçar a matriz de opinião de que a Venezuela está sendo engolfada pelo caos? Segundo o próprio Zayas, a mídia leva a cabo uma campanha muito bem direcionada, que busca forçar os observadores internacionais a endossar essa visão pré-concebida de “crise humanitária”. Isso não significa dizer, Zayas afirma, que não há fome na Venezuela.

Provavelmente há, assim como há fome nas periferias de São Paulo ou entre os 41 milhões de estadunidenses que vivem atualmente na pobreza – segundo a própria ONU, diga-se de passagem.

Em um momento em que somos bombardeados com notícias sobre a crise dos “refugiados” venezuelanos, entre muitíssimas aspas, cabe questionar porque, por exemplo, a mídia não menciona que a epidemia de malária na Amazônia venezuelana poderia ter sido evitada se o governo da Colômbia não tivesse se recusado a vender as vacinas necessárias. Porque a mídia não menciona que boa parte da escassez que aflige os venezuelanos poderia ser amenizada se os mais de $450 milhões de dólares do governo venezuelano atualmente bloqueados no exterior, que haviam sido destinados à compra de medicamentos e alimentos, fossem liberados? Porque, por exemplo, a queda imposta pela Arábia Saudita no preço do petróleo ou o efeito deletério das sanções quase nunca estão presentes na análise sobre a crise econômica no país vizinho?

Zaya nos lembra que o que se observa na Venezuela é o resultado de uma guerra econômica planejada e levada a cabo por diversos atores. E mais: nos lembra que “crise humanitária” e “refugiados” são termos técnicos, que não se aplicam à realidade venezuelana, mas que caem como uma luva na estratégia de instrumentalizar o sofrimento dos venezuelanos para justificar e legitimar uma intervenção militar travestida em ajuda humanitária.

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