O futebol e a soberania nacional

Para entender o tema, precisamos primeiro entender em que patamar estamos. No Brasil, vivemos um momento de profunda crise e agravamento do capitalismo, o avanço de políticas neoliberais e desmonte do estado. O reflexo disso no futebol é uma constante repressão às camadas populares da sociedade e cada vez mais apropriação da classe média e pequena burguesia sobre os espaços que antes eram populares.

Por Guilherme Travassos*

futebol brasil

Neste ponto, devemos olhar para as relações de classes presentes no panorama atual. Os estádios elitizados, um padrão de comportamento imposto, a perseguição desmedida e injustificável das torcidas organizadas, os horários cada vez mais estúpidos das partidas, os preços elevadíssimos dos ingressos, chegando a custar 1/3 do salário mínimo algumas vezes, tudo isso faz parte de um processo único com interesses culturais, sociais e principalmente econômicos. Este processo lucrativo, dá ao setor privado, sobretudo o internacional, muito dinheiro com a manipulação do nosso esporte, outrora tão popular. O futebol buscou um novo público-alvo e com isso muda seu produto, muda suas relações, seus padrões de comportamento, higieniza sua mercadoria e eleva seu preço, nada novo para quem entende o sistema capitalista.

Compreendendo este panorama, podemos observar como a forma de se jogar e entender o futebol mudou para atender suas demandas, o esporte passa a ser mais técnico, mecanicista, metódico, basta ver como são os jogadores, cada vez menos criativos e cada vez mais técnicos, treinados igual operários para exercer somente uma função, uma estratégia europeia para equiparar o seu futebol ao nível praticado pelos sul-americanos inclusive. A forma de se jogar muda, e o que se entende enquanto jogador também, passam a ser cada vez mais estrelas individuais, ícones semelhantes a “rockstars”, símbolos de uma falsa meritocracia como podemos ver muitas vezes aqui no Brasil.

Seguindo a linha de raciocínio do novo papel cumprido pelos jogadores, chegamos ao momento atual onde a “europeização” do futebol brasileiro chega ao nível máximo. A torcida individual pelo jogador surge em contraponto a torcida fanática pelo clube, torcidas mistas, “eco-copos”, arenas, possível fim dos estaduais, finais de jogo único em campo neutro, torcidas “profissionais” criadas pelos clubes, e discurso de venda do espetáculo. Isso mostra como o mercado internacional atua no Brasil, ceifando os talentos brasileiros numa disputa econômica cruel e como o Brasil com essa prerrogativa decide se adequar às normas do mercado internacional, claramente atendendo aos interesses financeiros do empresariado.

A triste realidade que encontramos nesta parte do texto, refletiu nas arquibancadas brasileiras de várias formas. Com estádios cada vez mais frios, brancos, “cults”, surgem debates mais agudos sobre a resistência a essa imposição cultural, como o “Ódio Eterno ao Futebol Moderno”. A resistência sempre cumprida por muitas torcidas, se massifica nesse período de acirramento de classes nas arquibancadas e surge uma questão crucial que estamos vivendo agora mesmo que é uma intensa disputa de narrativa no futebol: De um lado, o discurso do senso comum, que se iniciou com uma busca puritana pelo fim da violência nos estádios, passando por uma verdadeira guerra aos pobres na arquibancada e que hoje para se consolidar, utiliza recursos da cultura popular.

Pirotecnia em jogos da Seleção Brasileira, torcidas contratadas pelos clubes, gritos homofóbicos, racistas e machistas caminhando lado a lado com falsas campanhas de inclusão, afinal não há inclusão real quando se custa 300 reais um ingresso, o discurso do “futebol raiz” e do “o futebol respira” que são falaciosos pois glorificam o amadorismo, são no máximo saudosos dos anos 90 e vazios de luta política, e ainda atrelam qualquer luta real contra o machismo, a homofobia e o racismo nos estádios como “mimimi” e como ceder ao politicamente correto. Falácia. Em contraponto, a resistência real ainda fraqueja, vemos Brasil afora, torcidas e páginas na internet de torcidas “de esquerda”, de militantes com discursos academicistas, que mais segregam os trabalhadores do que unificam, com práticas que também criminalizam torcidas organizadas e que não mudam nada na realidade concreta dos estádios e arquibancadas.

Dito isso, é um dever dos comunistas entender não só o futebol, como o esporte como uma questão de cultura e soberania nacional. O futebol é um patrimônio do povo brasileiro, não podendo ser então um recurso de alienação a partir da cultura imperialista. Nossa juventude, está amarada a telas de televisão glorificando ídolos e símbolos estrangeiros, enquanto o futebol brasileiro sangra com amadorismo e corrupção, pois para o capitalismo o futebol é apenas um negócio lucrativo, um vendedor de uma frágil e falaciosa meritocracia neoliberal.

Para os comunistas, o esporte deve ser transformador, os atletas símbolos das vitórias de seu povo, pilar fundamental na manutenção de nossa cultura e sentimento de nação. Temos excelentes exemplos de países socialistas extremamente fortes esportivamente, como a União Soviética e Cuba, países que utilizaram o esporte pra consolidar a revolução, para transformar concretamente a vida e a educação das pessoas. O esporte na URSS propagou pelo mundo a força de um país gerido pelos trabalhadores, de como poderia se tornar uma potência sem ser regido pelo imperialismo, semelhante ao trabalho construído pela República Popular da China hoje em dia. Cuba utiliza o esporte como manutenção cultural e social de sua revolução, mas principalmente como recurso de qualidade de vida aos seus cidadãos. Em todos os casos os atletas são produtos de uma gestão esportiva que realmente transforma a vida das pessoas e valoriza a cultura nacional ao invés de criar ídolos fragilizados pelas contradições do capitalismo e sua busca por lucro incessante.

Nós, comunistas devemos então seguir na luta, na resistência, mas sabendo que um futebol realmente popular, transformador e inclusivo não aparecerá neste Brasil conivente com o imperialismo norte-americano de Michel Temer. Precisamos de um projeto de nação sólido, desenvolvido e que o esporte seja pilar na construção do sentimento de orgulho nacional, que reflita a luta e a emancipação do povo brasileiro concretamente. Por um futebol soberano, popular, inclusivo e, por que não, socialista! Até a vitória sempre!

“Ódio eterno, ao futebol moderno"