Associação de juízes: Prisão em 2ª instância é "desvio constitucional"

A Associação de Juízes para a Democracia (AJD) emitiu nota técnica em que critica a prisão em segunda instância, classificando como uma manobra de interpretação que viola a Constituição e "relativiza a garantia constitucional".

Constituição

A nota técnica da entidade, que reúne juízes de todo o Brasil, aponta que o artigo 5º, LVII, da Constituição Federal estabelece que a prisão decretada após decisão proferida em segundo grau de jurisdição, sem a existência do trânsito em julgado, é ilegal. O tema deve ser redicutivo no Supremo Tribunal Federal que vai analisar questionamentos feitos sobre a decisão da Corte que deu uma nova interpretação sobre a questão em 2016.

De acordo com os juízes, o artigo é claro ao estabelecer que o indivíduo somente ser privado de sua liberdade com arrimo em decisão condenatória quando esta transitar em julgado, ou seja, na hipótese de não haver mais recurso cabível.

"Trata-se de dispositivo categórico, imperativo e que,justamente em razão de não suscitar qualquer dúvida, não admite interpretação e sim a aplicação do que está efetivamente escrito", afirma a nota.

No últimos meses a mídia e alguns membros do Judiciário utilizam o discurso punitivista e de combate à impunidade para justificar a manobra de interpretação na questão da prisão em segunda instância.

Para a entidade, respeitar a Constituição é o único caminho para assegurar o Estado Democrático de Direito. "O desvio dos imperativos constitucionais, longe de trazer os efeitos almejados por aqueles que insistem em fazê-lo, somente se traduzirá em prejuízos para o indivíduo e a coletividade", advertem os juízes.

"A tentativa de supressão da garantia mencionada encontra-se dentro de um perigoso contexto de relativização de direitos e garantias fundamentais, tendência que busca se perpetrar com o desígnio ilusório de, no caso, diminuir a impunidade. Olvida-se, no entanto, que as garantias processuais penais, importantes conquistas civilizatórias, não se traduzem em obstáculo para a efetiva aplicação da lei penal, mas sim em formulações destinadas a impedir o arbítrio estatal, dificultar o erro judiciário e conferir um tratamento digno de maneira indistinta a todos os indivíduos", argumenta a entidade.

A AJD reforça que a prisão em segunda instância não pode ser uma regra, como querem alguns, e lembraram que a Constituição prevê a prisão cautelar, ou seja, que o indivíduo venha a ter sua liberdade suprimida quando ainda houver recurso contra a decisão condenatória.

"No mesmo sentido da garantia constitucional, estão disciplinados dispositivos previstos na legislação ordinária (art. 283 do Código de Processo Penal e art. 105 da Lei das Execuções Penais, lei esta que exige o trânsito em julgado inclusive para o cumprimento da pena restritiva de direitos – art. 147 – e pagamento de multa – art. 164). Sendo plena e comprovadamente possível as instâncias superiores modificarem questões afetas à liberdade, seu cerceamento antecipado mostra-se incompatível com nossa realidade constitucional", adverte outro trecho da nota.