Juliana Diniz: Senhor Luís Inácio, é a polícia

"Saber quando e em que circunstâncias Lula será preso tornou-se um drama democrático. O episódio marca simbolicamente o rompimento da ordem institucional que já havia sido anunciado com o impeachment da presidente Dilma Rousseff. Pairam questionamentos jurídicos sobre os processos que culminaram tanto na deposição da presidente em exercício como na condenação de seu antecessor”.

Por Juliana Diniz*

Dias depois de um julgamento marcado pelas inconsistências argumentativas de um STF claudicante e acossado pela pressão com cheiro de farda e coisa antiga, Lula espera, no berço de sua militância política, o cumprimento da ordem judicial de levá-lo à prisão. Desta vez, ao contrário do dia 19 de abril de 1980, a polícia não o encontrará desprevenido. A ordem foi apressada, mas alardeada e vivida como espetáculo, havendo autoridade apelando para que a providência divina intercedesse pelo encarceramento. Uma multidão acalorada pretende resistir à polícia e se mantém à volta do prédio onde o ex-presidente está recolhido. Os defensores da moral de ocasião esperam com ansiedade o momento em que o estado imporá sua força sob os holofotes da imprensa.

Saber quando e em que circunstâncias Lula será preso tornou-se um drama democrático. O episódio marca simbolicamente o rompimento da ordem institucional que já havia sido anunciado com o impeachment da presidente Dilma Rousseff. Pairam questionamentos jurídicos sobre os processos que culminaram tanto na deposição da presidente em exercício como na condenação de seu antecessor.

Em face da encenação do drama, algumas perguntas se impõem. Como garantir o exercício legítimo dos poderes constituídos sem recorrer à violência e à desobediência? O que esperar da república quando seu tribunal maior falha tão mediocremente em decidir? A prisão de Lula torna obscuro e angustiante o processo eleitoral. A democracia que nos parecia tão assentada parece escapar pelos dedos a cada canetada infeliz de um judiciário partidarizado e voluntarista. A lição que fica do espetáculo é a de que a esquerda brasileira novamente parece ter negligenciado a capacidade de articulação das forças do conservadorismo autoritário. É essa esquerda que, amadurecida, precisará saber o caminho a trilhar quando mais uma vez na história ouvir o chamado do outro lado da porta: “Senhor Luís Inácio, é a polícia”.

*Juliana Diniz é professora da UFC e doutora em Direito pela USP

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