Artistas se mobilizam pela regulamentação profissional da categoria

O papel do registro profissional para artistas e técnicos de espetáculos foi tema de seminário na tarde de quarta-feira (25), na Comissão de Cultura da Câmara dos Deputados. O debate aconteceu por iniciativa da deputada Luciana Santos (PCdoB-PE) e reuniu artistas e produtores de todo o país.

luciana - Sthefane Felipa/Assessoria

Na ocasião, artistas e parlamentares se manifestaram contra uma ação (ADPF 293/13) do ex-procurador geral da República, Rodrigo Janot, que questiona dois artigos da lei que, há 40 anos, regulamenta as profissões de artista e de técnico em espetáculos de diversões (Lei 6533/78).

O tema está em análise no Supremo Tribunal Federal (STF), ainda sem data para julgamento. Mas caso o Supremo seja favorável à ação, a atual exigência de diploma de curso superior, certificado técnico ou atestado de capacitação profissional para que as delegacias regionais do trabalho emitam o registro profissional será flexibilizada. A PGR argumenta que a exigência fere a liberdade de expressão e o pleno exercício dos direitos culturais. Para a obtenção do registro, bastaria uma autodeclaração de artista.

"Quando eu comecei a fazer teatro, há mais de 60 anos, artistas como Cacilda Becker, Lélia Abramo, Bibi Ferreira e Procópio Ferreira tinham uma luta de mais de 50 anos de toda a área cultural no sentido de regulamentação da profissão, porque, até então, nós tirávamos o nosso registro teatral em uma delegacia da Polícia Federal. Era uma tentativa de sempre considerar o artista como um questionador e marginalizá-lo socialmente. São cem anos de luta que, de repente, estão sendo ameaçados", disse o ator e diretor teatral Sérgio Mamberti.

A deputada Luciana Santos pediu audiência formal da Comissão de Cultura com a procurara Raquel Dodge e a presidente do Supremo, Cármen Lúcia. Após o seminário na Câmara, artistas e parlamentares foram recebidos pelo ministro Celso de Melo, do STF, para debater a questão.

Segundo a parlamentar, a soberania de um país está intrinsicamente ligada à identidade, à história, ao comportamento do povo, à arte e ao fazer artístico-cultural. “Não existe valor maior que o da identidade de um povo e, por isso, é preciso tratar a questão da profissão artista com o valor político que ela reclama”, disse Luciana, que também é presidente da Frente em Defesa da Cultura.

Retrocesso no ensino da arte

Durante o debate, a presidente do Sindicato dos Artistas e Técnicos de Pernambuco (Sated/PE), Ivonete Melo, fez um resgate do processo da ADPF e afirmou que sua aprovação vai “atingir diretamente o ensino da arte, já tão desprestigiado no meio acadêmico”. A sindicalista leu ainda uma carta dos artistas pernambucanos para que conste nos registros da Comissão sua opinião sobre os prejuízos trabalhistas que acarretam o tema.

A atriz Júlia Lemmertz reiterou o entendimento de Ivonete. Ela leu uma carta da Escola de Teatro da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio), que aponta riscos de retrocesso também no processo de ensino da arte.

“Somos artistas, professores e pesquisadores. Somos trabalhadores. Temos direitos constitucionais e nossos alunos de graduação, mestrado e doutorado estudam, pesquisam e trabalham como prerrogativa para a obtenção de uma licença de trabalho legítima”, dizia o documento.

O presidente do Sated/SP, Dorberto Carvalho, lembrou que, “ironicamente”, a ADPF usa o tema da censura para argumentar pela desregulamentação da profissão de artistas. “Talvez haja um desconhecimento de que a luta contra a censura é muito cara para os artistas do Brasil. É uma luta histórica para os artistas do Brasil. Como usar essa luta para infringir aos artistas uma condição precária da sua profissão?”

Relações de trabalho na cultura e na arte

O diretor teatral e pesquisador Gustavo Guenzburger reforçou o papel dos artistas no mundo do trabalho e citou exemplos de países que regulam a entrada de artistas no mercado. “Esse é um mercado que movimenta dinheiro e que explora comercialmente uma mão de obra. [Desregulamentar] é ruim para o trabalhador e é ruim para o mercado porque o futuro desse sistema capitalista é a inteligência e a criatividade, isso está posto, e nós precisamos saber se o Brasil quer apostar em inteligência, em criatividade ou se vamos nos deter em vender soja e minério”, disse.

No entanto, outros artistas que acompanhavam o seminário da plateia manifestaram apoio à ação da PGR. O músico brasiliense Engels Espíritos disse que a ação corrige abusos na emissão dos atestados de capacitação profissional por parte dos sindicatos.

"Os artistas que não têm curso superior, diploma nem cursos técnicos – são pessoas que não têm condições de fazer esses cursos – querem utilizar da expressão artística para ganhar o seu dinheiro e o seu sustento. Um sindicato não pode ter a chancela do Estado para cobrar taxas e obrigar um artista a ir até ele para tirar o registro, sendo que nós temos o Ministério do Trabalho para fazer isso", disse.

Já a deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ) pediu a união da categoria para ajustes na legislação, já que, segundo ela, “a desregulamentação não ajuda quem não tem registro, mas quem explora o trabalhador”.

Além de sindicatos e associações de artistas e de técnicos em espetáculos, o seminário contou com a participação da bailarina Ana Botafogo, da atriz Drica Moraes e do ator Emílio de Melo. Eles admitem mudanças que venham aprimorar a regulamentação profissional, mas sustentam que os atuais critérios de obtenção do registro dão segurança jurídica e dignidade aos artistas.