Decisão do STF agrava crise política no país

A decisão dos magistrados em indeferir o pedido dos advogados de Lula, coloca em xeque o artigo 5º da Carta Magna, inciso 57, que determina a presunção de inocência do réu até o “trânsito em julgado de sentença penal condenatória”.

Por Iberê Lopes* 

STF - Marcos Oliveira/Agência Senado

Para o Partido Comunista do Brasil (PCdoB), a interpretação dos seis membros do Supremo Tribunal Federal (STF) contrários ao habeas corpus, fere os direitos e garantias individuais, previstos na Constituição de 1988. E ainda pode influenciar negativamente no processo democrático ao impedir que o líder petista concorra nas eleições presidenciais deste ano.

A legenda emitiu nota, na qual considera um “fato gravíssimo” a iminente prisão de Lula por excluir seu nome da disputa política em 2018. “Sua detenção foi concebida e efetivada pelo Estado de exceção, que sufoca crescentemente o Estado Democrático de Direito e fará ressurgir a figura do preso político, típica de períodos ditatoriais e autoritários da República”, afirma o documento assinado pela presidente do PCdoB, deputada Luciana Santos, e Manuela D’Ávila, pré-candidata do partido ao Palácio do Planalto.

De acordo com o líder da Bancada Comunista na Câmara dos Deputados, Orlando Silva (PCdoB-SP), o placar demonstra “falta de convicção da Suprema Corte” e agrava a crise iniciada com o impeachment da presidenta Dilma Rousseff em 2016. “A crise segue com novos capítulos. Temos um Executivo completamente desmoralizado, incapaz de liderar o país. Temos um Legislativo sem iniciativa, paralisado, apenas expectador de uma crise de dimensões históricas”, disse.

Orlando observou ainda que o Poder Judiciário está dividido, “perdendo a sua autoridade, algo fundamental para que exerça a sua posição de um poder moderador”. “A divisão do STF é a exata síntese da polarização do Brasil!”, ressaltou o parlamentar.

Nos dias que antecederam o julgamento, o ministro Luís Roberto Barroso declarou que os tribunais supremos deveriam atender "o clamor público", mesmo quando violassem a Constituição. Para ele seria "normal da vida das supremas cortes" exercer um "papel representativo, expressar o sentimento social”.

Por restar dúvida sobre seu posicionamento, o voto decisivo na noite de quarta (4), ficou com a ministra Rosa Weber, que entendeu que o STJ apenas confirmou o entendimento atual do STF. Ela ressaltou ter sido vencida na decisão sobre cumprimento da pena na segunda instância, mas que não deve prevalecer a posição pessoal dos magistrados.

“A colegialidade como método decisório em julgamentos em órgãos coletivos, impõe, a meu juízo, aos integrantes do grupo, da assembleia ou do tribunal, procedimento decisório distinto daqueles a que submetido o juiz singular”, disse Rosa. “Estabelecida uma voz coletiva através de decisões majoritárias, essa passa a ser a voz da instituição”, acrescentou.

Diversas lideranças partidárias denunciaram o clima de instabilidade jurídica com a possível negativa dos ministros de concessão do habeas corpus. Durante a reunião do STF, a defesa do ex-presidente Lula reforçou a necessidade de apreciação anterior da ação declaratória de constitucionalidade (ADC) sobre a execução de pena após segunda instância. A presidenta da Corte, ministra Cármen Lúcia, negou pautar a ADC.

Segundo a vice-líder da Minoria, deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ), a estratégia de não pautar as ações de constitucionalidade em relação à segunda instância ficou evidente. Feghali salienta que houve “violação quanto à presunção de inocência garantida, explicitamente em nossa Constituição (mencionada pelo ministro Celso de Mello), até o trânsito em julgado na última instância e a consequente autorização da prisão política de Lula, contra quem não há nenhuma prova”.

O ministro Ricardo Lewandowski, que votou a favor de conceder o habeas corpus a Lula disse ser um dia “paradigmático” para a história do STF, e que deixaria a avaliação com especialistas e historiadores. “Mas é o dia em que essa Suprema Corte colocou o sagrado direito à liberdade em um patamar inferior ao direito de propriedade".

Para o magistrado, os integrantes do Supremo deveriam se questionar sobre a impossibilidade de reversão de uma condenação dessa natureza. “É possível restituir a liberdade de alguém se houver reforma da sentença condenatória no STJ ou STF com juros e correção monetária? Não. A vida e a liberdade não se repõem jamais", disse Lewandowski.

Os advogados Cristiano Zanin Martins e Valeska Teixeira Martins, afirmaram que “a defesa irá tomar todas as medidas legalmente previstas para evitar que a antecipação da pena imposta automaticamente pelo TRF4 seja executada, porque é incompatível com a Constituição Federal e com o caráter ilegal da decisão que condenou Lula por crime de corrupção baseado em “atos indeterminados” e sem a comprovação de qualquer solicitação ou recebimento de vantagem indevida”.

O prazo final para apresentação dos recursos na segunda instância, antes da possível prisão de Lula, é no próximo dia 11. Mesmo com a ausência de provas materiais, em janeiro, o ex-presidente foi condenado a 12 anos e 1 mês de prisão pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro, no processo do tríplex do Guarujá (SP).

Votaram pela concessão do habeas corpus Gilmar Mendes, Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski, Marco Aurélio e Celso de Mello. Pela rejeição, votaram Edson Fachin, Alexandre de Moraes, Luís Roberto Barroso, Luiz Fux, Cármen Lúcia e Rosa Weber.