Principal força do golpe, mídia monopolista abusou de mentiras
Para evitar que as gerações futuras dependam apenas dos grandes meios de comunicação como fonte de informação sobre o que aconteceu no Brasil em 2016, é preciso disputar a narrativa em todas as frentes possíveis. A avaliação foi feita por Maria Inês Nassif, no lançamento do livro Enciclopédia do Golpe Vol. 2 – O Papel da Mídia, ocorrido nesta terça-feira (15), em São Paulo.
Por Felipe Bianchi, do Barão de Itararé
Publicado 17/05/2018 18:47
“É importante consolidar a ideia de que a mídia teve um papel fundamental no golpe. Afinal, ela será fonte de pesquisa sobre o período”, opina a jornalista. Uma das coordenadoras da publicação, Maria Inês Nassif contou com a companhia de Paulo Henrique Amorim, Renata Mielli e Laurindo Leal Filho.
O golpe que depôs Dilma Rousseff e, junto a Michel Temer, alçou ao poder uma brutal agenda regressiva rechaçada nas urnas, teve participação importante do parlamento, que votou pelo impeachment, e também do judiciário, que o corroborou. Mas talvez nenhum papel tenha sido tão crucial, na opinião dos debatedores, como o jogado pela mídia monopolista, que pautou, insuflou e, desde então, vem sustentando a farsa golpista.
“A ética jornalística foi por água abaixo durante o processo do golpe. É preciso alertarmos que a narrativa dominante está repleta de mentiras”, critica Nassif. “Toda a narrativa do golpe, a seletividade em eleger o PT como símbolo de corrupção, a história do triplex, foi construída em cima de fato nenhum. Qualquer jornalista com ética não assinaria matérias vergonhosas como as que construíram essa história”.
Não é por acaso que a Rede Globo permeia quase todos os 28 verbetes do livro, comenta. Ela é a grande força que atua na empreitada golpista. “Justamente por amar o jornalismo, sinto vergonha ao falar do papel da mídia neste processo do golpe”. Mas o papel nefasto exercido pela mídia não para por aí, de acordo com a jornalista. O partido da mídia tem agido em outras áreas para impor a sua agenda: “Na economia, pressionando o mercado a seguir a cartilha de seus interesses, por exemplo. Ou promovendo um verdadeiro espetáculo com as ilegalidades cometidas pelo Judiciário”.
O professor aposentado Laurindo Leal Filho, o Lalo, chama a atenção para a onda de ataques à liberdade de expressão e apelo à censura para tentar calar quem não somente quem denuncia o golpe e seus desdobramentos, mas também qualquer foco de resistência ao estado das coisas. “Universidades vêm sofrendo dura campanha de estrangulamento por parte do governo golpista, principalmente as federais. Se Lula as fomentou, hoje elas sofrem dificuldades até para pagar contas de energia elétrica”, diz.
“Um dos coordenadores do campus da Unesp em Guaratinguetá foi suspenso por conta da realização de uma atividade pela democratização da comunicação. A sala da atividade foi trancada e as pessoas barras, por se tratar supostamente de um evento supostamente político-partidário”, acrescenta.
“É preciso denunciar a atuação da mídia no golpe. A Rede Globo foi estrutural para o golpe. Foi político, foi judiciário, mas se não houvesse a mídia e, em especial, a Globo, não haveria golpe. A febre de sair à rua com camisas da seleção é um projeto de autoria da Globo”, opina Lalo.
“Suspender novela no Brasil é sinal de que algo transcendental está ocorrendo. Só se faz isso no Brasil para anunciar que o mundo está acabando. Mas claro que nos protestos pelo impeachment isso aconteceu, e eu tenho certeza que há relação entre a mudança dos horários dos jogos de futebol e a suspensão da novela com a invasão de pessoas com camisas da seleção nas ruas do país, atendendo ao chamado da Globo”.
Por isso, defende Lalo, o livro Enciclopédia do Golpe Vol. 2 – O Papel da Mídia é mais que um livro para ser lido agora, mas também uma contribuição enorme para a historiografia do golpe no país. “Na academia, é comum recorrer aos jornais e aos produtos de mídia para estudar determinado período ou acontecimento. Se dissertações e teses forem construídas com o que a mídia tradicional diz, serão dissertações e teses falsas, cheias de mentiras”, frisa. “É importante ter outros dados, outras leituras, outras narrativas sobre o golpe, sob o risco de consolidação de uma versão mentirosa e falaciosa do ocorrido em 2016. É preciso ter o contraponto, apesar da dificuldade em fazer frente ao aparato da mídia hegemônica”.
Mídia, partido das classes dominantes
É impossível que um golpe conviva bem com a liberdade de expressão, o que pode colocá-lo em xeque. A reflexão é de Renata Mielli, Secretária-Geral do Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé e coordenadora do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC). A lição que tiramos, segundo ela, é que não é possível que uma sociedade seja, de fato, democrática, sem uma mídia democrática. “Muito menos um projeto nacional e popular em aliança com esses meios de comunicação de massa”, argumenta.
Para a jornalista, o monopólio midiático não atuou apenas no impeachment ilegal, mas assumiu, para si, o papel de organizador da oposição, que estava fragilizada. “Foi o monopólio midiático quem organizou a direita no país para fazer oposição aos setores progressistas”, diz.
Autor do blog Conversa Afiada, Paulo Henrique Amorim vai além. “Nenhum governo deu mais dinheiro a Globo do que os governos progressistas, historicamente responsáveis pelo fato de o Brasil seguir como o único país do mundo com uma emissora privada tão poderosa quanto a Globo. Em nenhuma democracia uma única rede de televisão detém tanto poder quanto a Globo no Brasil. E a Globo é deficitário. O negócio é a taxa, a usura, no país líder em índice de juros”.
Para Amorim, há novidades por aí. Mas nenhuma atende aos anseios de quem luta pela democratização da comunicação no Brasil. “A Globo vai mal, é deficitária. A única coisa que dá dinheiro a ela é o esporte e os direitos de transmissão que ela compra, comprovadamente, com propinas”, denuncia. “A boa notícia é que a Globo pode estar vivendo seus últimos dias de glória. Mas a má notícia é que quem ocupará o seu lugar são corporações estrangeiras como Netflix, Amazon, Google e companhia. Não ganhamos a batalha, por ora”.