Magistrados e o controle difuso da constitucionalidade

A Anamatra – Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho aprovou, em recente assembleia, 125 Enunciados restritivos e colidentes com a denominada ‘Reforma Trabalhista’, Lei nº 13.467/2017, engendrada pelos golpistas.

Por Maria Fernanda Arruda*

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Não é viável comentá-las como um todo em um pequeno texto diante de tamanha avalanche de retrocesso; logo, fixar-me-ei em pequena parte dos entendimentos estratificados pelos juízes e desembargadores trabalhistas como alguém que há mais de 200 anos extraiu passaporte como viajante do tempo retrocedido.

Todos os juízes são obrigados ao cumprimento e defesa da Constituição da República e suas legislações, exercendo o controle difuso da constitucionalidade e a convencionalidade das leis ou, em outras palavras, cabe-lhe antes de tudo verificar se uma determinada norma tem eficácia e adéqua-se ao comando dos preceitos constitucionais.

Em qualquer julgamento, uma Alta Corte deverá primar pela rigorosa observância dos princípios da dignidade e da liberdade de uma pessoa quando estes possam ser sepultados pelo argumento do chamado princípio da colegialidade (voto de uma maioria eventual em um colegiado) e não poderá, sob qualquer pretexto, transformar-se em mero aplicador de disposições legais sem assumir o grave risco de destruir os fatos para priorizar a leitura literal das leis, atuação típica de juízos e juízes nazistas. Imputar-se a um juiz o dever de aplicar a lei tal qual escrita (interpretação literal ou meramente gramatical), como querem os autores da Reforma Trabalhista, significa impor ao magistrado, e forma autoritária, uma atuação antirrepublicana demandada e exigida pela ação política midiática, sob ameaças de processos administrativos e correcionais.

Desenhados os fatos, as leis devem a estes ser aplicadas após integral comprovação; contudo a aplicação deve obrigatoriamente resultar da interpretação de uma norma rigorosamente de conformidade com as premissas determinadas pela Constituição da República e completo amparo, sobretudo, nos seus objetivos e fundamentos, desde a construção de uma sociedade mais justa e igualitária (artigos 1º, 2º e 3º) e a proteção da vida e da liberdade de todas as pessoas (artigo 5º, XXXV). Se houver vazio legal ou ausência de lei específica regulador de um fato excepcional, deverá o julgador apegar à analogia, aos usos e costumes, não podendo, sob nenhum pretexto, omitir-se de julgá-lo.

O artigo 5º, LVII, da Constituição Federal estabelece de forma cristalina que “ninguém será considerado culpado até o transito em julgado de sentença penal condenatória”, porque, antes desta ocorrência, presume-se a inocência do acusado e ausente a sua culpa. Logo, nenhum empregado ou servidor público pode ser despedido ou exonerado por justa causa sem sentença que haja transitado em julgado, ou seja, da qual não caiba mais recurso. Se este é pressuposto para demitir-se um trabalhador, com muito mais amplitude deve ser adotado para aprisionar alguém, seja lá quem for.

Computadas essas considerações, conclui-se de forma inequívoca que ninguém pode ser preso e com isto perder o seu emprego ou cargo nos exatos termos da Constituição Federal; por consequência, quando o Supremo Tribunal Federal autoriza a prisão de uma pessoa após julgamento em segunda instância, a toda evidência este entendimento atrita-se com a Carta e sedimenta ruptura do Estado Democrático de Direito à medida que invade competência exclusiva do Poder Legislativo. 

*Maria Fernanda Arruda, escritora e midiativista.