Haroldo Lima: “Estamos vivendo um neocolonialismo no Brasil”
O ex-presidente da Agência Nacional de Petróleo (ANP) no governo Lula e ex-deputado federal pelo PCdoB, Haroldo Lima, 78 anos, é categórico ao vincular a política de preços da Petrobras aos interesses dos acionistas estrangeiros da empresa, em sua maioria, norte-americanos.
Por Laércio Portela, da Marco Zero
Publicado 11/06/2018 18:36
Segundo os cálculos de Haroldo Lima, a Petrobras vende o combustível no Brasil com uma margem de lucro de 233% por conta da paridade com o mercado internacional. A fatura é paga pelos consumidores brasileiros e boa parte dos dividendos vai parar no bolso de investidores de fora do país. Numa outra ponta, a empresa reduziu a operação de suas refinarias para 68% da capacidade e hoje exporta petróleo cru para importar produtos derivados. E faz isso no momento em que anuncia a venda de refinarias, dutos, gasodutos e até de campos de exploração que ela havia ganho em leilão, como é o caso do campo de pré-sal de Carcará, na Bacia de Santos. “Nós aprofundamos nossa dependência em relação ao exterior. Esse movimento mostra um certo neocolonialismo brasileiro. Longe de nós estarmos nos tornando uma nação soberana e independente. Estamos nos transformando em uma nação cada vez mais dependente dos grandes capitais estrangeiros”, critica.
Haroldo Lima esteve no Recife na quinta-feira (7) junho, para participar de debate na Assembleia Legislativa do estado sobre a Política de Preços da Petrobras e seus Efeitos Negativos e conversou com a reportagem da revista digital Marco Zero Conteúdo.
Marco Zero – Recentemente o senhor disse que, para um problema complexo, a Petrobras sob o governo Temer encontrou uma solução simplória no que diz respeito à política de preços dos combustíveis. O que isso significa?
Haroldo Lima – Nós temos um problema complexo no Brasil. Temos uma reserva bastante grande. Temos uma base de refino razoável, atrasada, é verdade, muito antiga. Não se constrói refinarias no Brasil há 38 anos, a última foi essa aqui de Abreu e Lima. Por conseguinte, a gente compra petróleo de fora e como o preço do petróleo sobe muito e como o dólar também está subindo muito não é natural que a Petrobras pague o preço dessas contas, mas também não é certo que o povo brasileiro pague o preço internacional pelo petróleo brasileiro. O preço médio de produção, refino e distribuição de um barril de diesel no Brasil é de 40 dólares e vende-se isso aqui no Brasil aos brasileiros a 80 dólares, que é o preço internacional, na chamada Política de Paridade de Preços Internacionais. Aí eu dizia, é um problema complexo. Por que? Como vamos resolver esse assunto sem prejudicar os brasileiros e sem prejudicar a Petrobras, mas resolvendo de verdade?
O senhor está dizendo que a Petrobras está vendendo combustível extraído e refinado no Brasil por um preço muito mais alto do que o de custo por conta dessa política de atrelamento ao mercado internacional aplicada a partir de julho de 2017 na presidência de Pedro Parente?
O custo de extração do óleo no Brasil, tirado do pré-sal, é de 7 dólares o barril. Levando em conta outros custos, depreciação, amortização dos investimentos, tudo isso dá mais 20 dólares. E aí esse barril vai para a refinaria. As refinarias brasileiras refinam o petróleo a um preço mais baixo do que o mercado internacional. Cada barril sai a 3 dólares. Com outros custos agregados, mais os 7 de extração, com mais os 20 de depreciação, com o custo de 3 dólares de refino e outros, o custo médio do diesel no Brasil é de 40 dólares o barril. Com esse cambio que está aí, de mais ou menos quatro dólares, altíssimo, 40 dólares dá 160 reais o barril. Como o barril tem mais ou menos 160 litros, significa que o custo médio de produção de diesel no Brasil, com a nossa extração, com o nosso refino, com o nosso transporte, é de 1 real por litro nas refinarias. A Petrobras estava vendendo o litro do diesel antes da greve por 2,33 reais, significa que ela tava tendo o lucro de 233% em cima do povo brasileiro, não é em cima dos americanos. Com a redução de 10% recentemente, estão vendendo a 2,1 reais por litro com lucro de 210%. Achamos que isso está errado. A Petrobras não está se comportando como uma empresa nossa, que deve ajudar o povo brasileiro em primeiro lugar.
Ainda mais com os reajustes como estavam sendo realizados, diariamente…
Sim. Uma coisa é que é diária, outra coisa é o volume da mudança. É uma mudança exagerada. Excessivamente exagerada. O lucro que a Petrobras está tendo hoje sobre o povo brasileiro é de 233%. Isso é um absurdo. Na época de Dilma se fazia o reajuste de três em três meses e, às vezes, se repassava uma parte e não se passava tudo. Quando o preço do petróleo caía, era compensado numa outra época quando o preço subia e assim ia se mexendo. O assunto não era inteiramente resolvido, mas ia se equilibrando. Eis que surge o governo Temer e vem dar uma solução que eu chamei de simplória. Todo custo passado para o povo brasileiro. E no que deu? Deu na greve.
Eu queria que o senhor explicasse a questão dos acionistas da Petrobras. Quem está ganhando com essa política de preços?
O problema é que a Petrobras como estatal é uma estatal digamos que… com nuances. Até 2010, 39% do capital social da Petrobras era estatal (32% da União e 7% do BNDESpar) e 59% era privado. Dos 59% privados, 38% são estrangeiros. E desses estrangeiros a maior parte é americano. Quase 40% dos acionistas são estrangeiros e quando se faz a distribuição dos lucros, 40% vai para eles.
Mas o controle majoritário ainda é do governo?
Quando chegou em agosto de 2010 houve um processo interno no governo Lula que chamamos de cessão onerosa. Houve a descoberta do pré-sal e pegamos essa reservas gigantesca de 5 a 8 bilhões de barris de petróleo e cedemos para a Petrobras e a Petrobras pagou ao governo federal, não em dinheiro, mas em ações. Tínhamos 32% das ações e passamos a ter 42% de ações, mais 7% do BNDESpar. Comparável com o que era melhorou um pouco. Por outro lado, o Estado controla a Petrobras porque tem 55,6% das ações ordinárias, com direito a voto, e, portanto, o direito de indicar o presidente da empresa. E aí vem o governo Temer dizer que não se pode fazer política na Petrobras, que é inaceitável qualquer ingerência política… Quer dizer, nenhuma ingerência do Estado brasileiro deve ser feita pra prejudicar os interesses desses acionistas estrangeiros que, na verdade, são os que estão determinando a linha de condução da empresa. Quando o Estado brasileiro devia chegar e dizer: `espera aí, assim está demais`. Mas isso é considerado ingerência indevida que vai assustar os acionistas… Mas, como assim? Os acionistas principais somos nós, que detemos 49% aos trancos e barrancos.
Dizem que a política de preços é inalterável.
Dizem, mas como assim inalterável? Inalterável no Brasil só as cláusulas pétreas da Constituição. E a política de combustíveis não está lá. Não se mexe por que? Só porque mexe com os interesses dos americanos, dos estrangeiros? A mudança depende de pressão.
O novo presidente da Petrobras, Ivan Monteiro, escreveu carta aos funcionários dizendo que a política de preços não vai mudar.
Ele diz isso, o presidente (Temer) também diz isso. Diga-se de passagem que o ministro de Minas e Energia (Moreira Franco) tem dado uma sinalização um pouco diferente. O que eu acho é que é bom saber que alguém está enxergando dentro do governo que não pode ser assim. Na minha opinião, se não houver mudanças, virá uma outra grande greve por aí. Lembrando que as perdas com a greve dos caminhoneiros são contabilizadas na ordem de 75 bilhões de reais. Pesquisa Datafolha apontou 87% de apoio dos brasileiros à paralisação, mas os mesmos 87% dos brasileiros que apoiaram disseram que a saída encontrada pelo governo foi ruim, prejudicou o povo brasileiro. É essa política tão agudamente contestada por todo o povo brasileiro, de norte a sul do país, que apoiou um movimento que depauperou a economia nacional, que vai continuar sendo defendida pelo atual governo?
E qual a solução? Como o senhor acha que essa questão poderia ser equacionada em benefício do consumidor brasileiro e sem prejudicar a empresa?
Nós estamos aí esboçando uma proposta. Alguns partidos esquerdistas, acadêmicos, petroleiros… A ideia básica é a seguinte: fazer com que o custo do petróleo extraído no Brasil, com o custo do refino feito no Brasil, com os impostos pagos no Brasil formem o custo final do combustível brasileiro e não tenha paridade internacional. Não vamos dar um lucro de 233% à Petrobras, mas vamos reservar um lucro de 50%, que não é pequeno. Temos custo do diesel por 1,5 real na saída da refinaria (1 real mais 50% de lucro), mas a gente tem que pagar impostos, a Cide, o Pis/Cofins, a margem de revenda, o ICMS… Somando tudo isso dá 90 centavos por litro. Somados aos 1,5 real vai dar 2,4 reais por litro do diesel. Ontem o litro do diesel estava sendo vendido a 3,82 reais.Na semana passada esteve a 5,2 reais. Podemos garantir 50% de lucro à Petrobras sem tirar nenhum imposto, sem dar prejuízo a ninguém e sem ter nenhum subsídio. Então o que está acontecendo no Brasil? O Brasil tem o petróleo, sua refinaria, seu transporte e seus dutos, e na hora de vender é pelo preço internacional? Tem que ser o preço do nosso custo. A origem básica dessa tramóia, que está nos levando a parar o país, é você pegar a produção brasileira e os mecanismos brasileiros e dolarizar tudo. O certo é que quando você for vender lá fora o produto tirado aqui no Brasil, aí sim você aplica o preço internacional. Diga-se de passagem, no Orienta Médio, a Arábia Saudita faz exatamente isso e eles ganham um rio de dinheiro.
Como o senhor vê a questão da venda dos ativos. É uma privatização velada?
Eles chamam isso de desinvestimento. É um nome fantasia para privatização. Acho que uma grande empresa de petróleo pode fazer desinvestimento, pode vender um ativo aqui, outro ali, comprar um aqui e vender um terceiro ali. Isso é natural em qualquer grande empresa petrolífera, só que toda grande empresa petrolífera faz seu desinvestimento olhando o seu futuro. Não faz desinvestimento cortando a ponte para o futuro. O que está acontecendo aqui no Brasil, sob a ótica de desinvestimento, é que estão sendo vendidos alguns ativos que são estratégicos, que nenhuma grande petroleira vende. Quando a Petrobras faz desinvestimentos em dutos por onde trafega o petróleo, vendendo gasodutos, vendendo fábricas de fertilizantes, vendendo refinarias, pretendendo vender a BR Distribuidora, quando ela faz isso, ela não está olhando para o futuro. Ela não pode fazer o que fez recentemente. Quando se está numa disputa enorme no mundo para saber quem vai operar os campos do pré-sal, a Petrobras já tinha ganho um leilão do campo de Carcará, um campo enorme do pré-sal, a operadora era ela, não estava mais em discussão. E o que ela faz? Decide vender o campo.
Comprometendo o futuro da empresa?
Ela está abrindo mão de ser uma grande petroleira no futuro. Por conseguinte, por trás desses desinvestimentos está a ideia de que, no futuro, a Petrobras não vai precisar de nada disso porque ela será privatizada. Esses desinvestimentos deixam o rastro da privatização que está em curso.
Privatizar a Petrobras vai repercutir na desindustrialização do país, não é? Estamos falando de uma enorme cadeia produtiva.
Sem dúvida alguma. Tem uma consequência muito grande, especialmente na participação do Brasil no setor estratégico de combustível. Quando foi descoberto o pré-sal nós todos, brasileiros, imaginávamos o seguinte: de agora em diante seremos autosuficientes em petróleo e derivados, vamos ser exportadores de derivados e de petróleo. A nossa expectativa era a de que íamos exportar derivados, exportar o petróleo refinado, com acúmulo de valor. No entanto, não é isso que está se dando. Logo depois que o governo atual tomou posse e mudou a política houve três movimentos: aumentou a exportação do óleo bruto, do óleo cru. Segundo, reduziu a produção de derivados. E, terceiro, passou a importar uma quantidade exacerbadamente grande de derivados.
O que isso significa em números?
Primeiro aumentou exportação do petróleo cru. Em 2005 nós exportamos, em números arrendondados, 100 milhões de barris de petróleo cru, enquanto em 2017 exportamos 350 milhões de barris. Segundo, a redução de produção dos derivados. As nossas refinarias têm capacidade de produzir 2,5 milhões de barris dia de derivados (diesel, gasolina, GLP e outros…). O que aconteceu é que as refinarias todas foram desaceleradas e hoje produzem cerca de 68% de suas capacidades. Processam 1,6 milhão de barris. Daí aumentamos a importação de derivados. Em 2005, nós importamos 15 milhões de barris de óleo diesel contra 80 milhões em 2017. No caso do GLP, importamos 5 milhões de barris em 2005 e 20 milhões em 2017. No passado, nós exportávamos gasolina. Em 2017, importamos 28 milhões de barris. O etanol, que é uma criação brasileira, quando eu era presidente da ANP no governo Lula estávamos buscando mercados internacionais para exportar nosso etanol. E o que aconteceu? Nós estamos importando etanol e sabe de onde? Dos Estados Unidos. Com a diferença de que o nosso etanol é feito de cana-de-açúcar e o deles é feito de milho. A cana-de-açúcar tem muito mais vantagens e propriedades como matriz do combustível do que o milho.
Aumentou nossa dependência.
Nós aprofundamos nossa dependência em relação ao exterior. Esse movimento mostra um certo neocolonialismo brasileiro. Longe de nós estarmos nos tornando uma nação soberana e independente. Estamos nos transformando em uma nação cada vez mais dependente dos grandes capitais estrangeiros.
Seria preciso inverter as prioridades?
Essa nova política de preços está trazendo para dentro do Brasil os interesses estrangeiros. Nós estamos aqui e pagando o preço lá de fora. O que devíamos fazer aqui, estamos importando lá de fora. Estamos vendendo o nosso petróleo bruto quando podia ser vendido um petróleo já refinado. Tudo isso significa colocar a Petrobras a reboque dos interesses estrangeiros… Na nossa opinião, a produção nacional deve garantir o abastecimento de derivados no Brasil. O povo brasileiro tem uma fonte de energia, que é o petróleo, que deve ser prioritariamente para garantir o abastecimento de combustível internamente. Essa deve ser nossa primeira prioridade.
Hoje estamos priorizando o mercado internacional?
Não podemos permitir que a economia brasileira, que o mercado brasileiro esteja acoplado ao mercado internacional porque ele é profundamente diferente. Nós somos pobres, eles são ricos. Nós temos o petróleo e eles não têm. Por que temos que pagar o preço internacional? Já me perguntaram por aí: `você acha que dá para fazer uma mudança dessa a curto prazo`? Não, eu acho que não. Mas temos que manter pressão sobre o governo que está aí, contra essa política da Petrobras. Para que, mais cedo ou mais tarde, na minha opinião em outubro, possamos derrotar esse governo golpista e trazer à tona um governo nacionalista, democrático e popular.