Conflitos internacionais são tema de debate em Fortaleza

O auditório da ADUFC sediou, na noite da última quinta-feira (14), debate sobre conflitos internacionais. Realizado em parceria com o Centro Brasileiro de Solidariedade aos Povos e Luta pela Paz (Cebrapaz-CE), Fundação Maurício Grabois e Observatório das Nacionalidades, o evento contou com a participação do jornalista José Reinaldo Carvalho, membro do Conselho Editorial da Revista Princípios e secretário de relações internacionais do PCdoB.

Conflitos internacionais são tema de debate em Fortaleza - Larissa Cavalcante / Adufc

José Reinaldo veio a Fortaleza também para lançar o livro “Revolução de Outubro – 100 anos”, do qual é autor de um dos artigos que compõem a obra. A publicação é uma coletânea de textos sobre o centenário da Revolução Russa e conta ainda com a contribuição de Socorro Gomes e Wevergton Brito.

Foco na América Latina

O debate começou com a participação do mestre em Sociologia e pesquisador do Observatório das Nacionalidades, Gustavo Guerreiro. Para ele, debater o tema tem grande relevância, não só pela conjuntura mundial, mas pelos impactos relevantes que os atuais conflitos internacionais podem trazer para a vida cotidiana de todos.

Em sua intervenção, o pesquisador que também é membro do Cebrapaz, deu enfoque às questões ligadas a América Latina e ao imperialismo norte-americano. “A luta pela paz é indissociável da ideia de unipolaridade e hegemonia representadas pelos Estados Unidos. É impossível dissociar o conceito de super potência sem falar de guerra e de militares. Some-se a esses valores, a força econômica, bélica e ideológica”, reforça. Citando o filósofo Antonio Gramsci, Guerreiro reforça a ideia de que “hegemonia significa continuação” e, baseado nisso, destaca a diferença entre hegemonia (quando há imposição de uma força exacerbada) e de dominação (embate de forças desiguais).

Levando em conta estes conceitos, Gustavo Guerreiro ressalta que os Estados Unidos representam uma potência hegemônica. “Dados recentes apontam que 36% dos gastos militares mundiais são americanos e apenas eles têm condição de lançar ofensivas militares no âmbito mundial”, destaca.

Guerreiro cita as ofensivas americanas, ainda no governo Obama, com interferências na Área de Livre Comércio das Américas (ALCA), Colômbia, México, Venezuela e Brasil. “Parte disso foi devido às reservas de petróleo e o anúncio da descoberta do pré-sal. Assim, ativaram o Comando Militar Sul e a composição da Quarta Frota Naval. Foram movimentos coordenados, incluindo ainda denúncias de ações na Bolívia, Equador e Venezuela, que sofreram interferência das embaixadas”. Já mais recentemente, Gustavo cita os golpes no Brasil, no Paraguai e em Honduras, além das eleições de Mauricio Macri na Argentina e de Lenín Moreno, no Equador. “Ao longo dos últimos anos, o que percebemos é que os ataques imperialistas vêm se sofisticando, com interferência americana em resultados eleitorais, golpes e adesões de países estratégicos”.

Exemplo desta aliança com os Estados Unidos é a Argentina. “Desde Carlos Menem, ex-presidente argentino, o país é considerado grande aliado da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN). Pode ser que, em breve, tenhamos conflitos armados dentro da América do Sul”, lamenta. Gustavo cita o episódio em que a Argentina chegou a participar, enviando militares, do bombardeio liderado pelos americanos em Kosovo. “O esfacelamento da União de Nações Sul-Americanas (Unasul) poderá facilitar futuras instabilidades na região e colocar a América Latina na rota das guerras”.

Segundo o sociólogo, em suas interferências em outros países, o governo imperialista muda de tática e argumento conforme a região. “Na América Latina, as iniciativas são mascaradas com o combate ao narcotráfico. Já na Europa e na Ásia, a roupagem assume a feição de guerra por libertação”, compara. Já na América do Sul, Guerreiro alerta para as tentativas de neutralizar iniciativas de países autonomistas e cita o golpe no Brasil e a interferência por via eleitoral na Argentina. “É uma maneira de mudar a condução do que estava sendo feito e defendido. No caso do Brasil, o vice assumiu e instalou uma política diametralmente oposta à eleita democraticamente, e agora permanece alinhada aos interesses de Washington. Nossa preocupação agora, com esta expansão americana na região, com dominação política, ideológica e militar é que podemos ter, em breve, sérios conflitos entre países latinos”, projeta.

Gustavo Guerreiro acrescenta ainda que o Governo Trump se apresenta de forma nitidamente militarista, deixando de lado suas “intervenções suaves” e reforçando uma nova fase de ofensiva militar. “Os tempos não são bons, ao contrário, é um prenúncio de uma série de instabilidade, agora em outro patamar, em especial na América do Sul. Mais do que nunca, só a união das forças populares pode garantir a soberania nacional. Eles querem usurpar nossas riquezas e estão alinhados com o atual governo golpista. A paz só é possível de se alcançar pela luta”, ratifica.

A Revolução que mudou o mundo

O jornalista José Reinaldo Carvalho comentou a honra voltar ao Ceará, onde sempre encontra camaradas que compartilham ideias essenciais para o desenvolvimento político e ideológico, individual e coletivo do PCdoB. “Atividades como esta são fundamentais para a formação teórica da vanguarda, de forças da esquerda, progressistas e do Partido. Em momento de golpe, com aprofundamento de políticas antinacionais, nossa atividade de formação passa a estar em primeiro plano, junto com as questões organizacionais e eleitoral. Tudo é prioridade”, ratifica o membro do Comitê Central do Partido.

Em sua intervenção, Carvalho começou falando sobre o lançamento do livro, dedicado ao centenário da Revolução Socialista da Rússia, comemorada ano passado. “Este trabalho tem origem em uma pesquisa feita para apresentações que faria em reuniões com mais de 100 partidos comunistas de todo o mundo em Moscou e São Petersburgo. Fui representando o PCdoB e minhas pesquisas resultaram em um texto qualificado e volumoso, com um conjunto de argumentações que me prepararam para as apresentações na Rússia. Não podia perder este valioso conteúdo e resolvemos publicá-lo”, afirma.

Além do centenário da Revolução Russa, José Reinaldo lembra datas marcantes que também são comemoradas nestes anos: os 170 anos de redação e publicação do Manifesto Comunista, os 200 anos de Karl Marx, os 90 anos de Che Guevara e, ano que vem, o centenário da Internacional Comunista.

Para o vice-presidente do PCdoB, a Revolução Russa “continua sendo o maior acontecimento político e social da história da humanidade até os dias de hoje”. “É possível que ela seja superada, e até comparada com as revoluções chinesa, cubana, vietnamita e coreana. Mas nenhuma tem o mesmo significado e projeção histórica internacional. As anteriores resultaram na consolidação do poder burguês, ainda que democrático e com apoio popular. Já a russa levou o proletariado à conquista do poder político e, a partir disto, à construção de uma nova sociedade”, constata.

José Reinaldo cita como antecedentes internacionais relevantes da Revolução Russa que ajudaram à sua consolidação a Primavera dos Povos, entre 1848 e 1849, quando países da Europa (França, Alemanha, Itália e império austro-húngaro) despertaram para lutas democrática e social com acentuado caráter popular. Há também a Comuna de Paris, em 1871, quando o proletariado atuou de maneira independente, sem a hegemonia burguesa, chegando ao poder, mesmo efêmero. “Marx, Engels e Lênin escreveram o Manifesto todo baseado neste movimento”, reitera.

Sobre a Revolução Russa, Carvalho destaca que a sociedade era atrasada, com resquícios de feudalismo, mas que, em poucas décadas, construiu uma sociedade avançada e transformou-se em potência econômica, social, cientifica e cultural, “fazendo contraponto com grandes potências capitalistas”. “Sabemos que o movimento russo teve defeitos, lacunas e erros, mas não podemos deixar de enaltecê-lo. Mesmo derrotada, a experiência soviética é essencialmente positiva. Assim como não podemos avançar no Socialismo olhando pra trás, também não devemos desconhecer os princípios que ela fomentou. Vamos seguir, olhando para frente sem negar a validade desta experiência”, ratifica.

Sob a ótica do internacionalismo, o jornalista considera que as influências que a União Soviética e o Partido Comunista exerceram no mundo justificam seu caráter relevante. “Isto foi fator decisivo para impulsionar a luta dos povos no Século XX, inclusive para fomentar e defender a paz mundial. O Socialismo foi uma ferramenta de paz que se alcançou com muita luta”, reforça.

Além disso, José Reinaldo reforça que a luta contra o nazifascismo foi uma das maiores contribuições que o Socialismo deu à humanidade. “Os soviéticos pagaram o maior tributo em vidas humanas e destruições de bens materiais. O mundo tem, até hoje, dívida com esse povo que só será paga quando a bandeira vermelha do Socialismo triunfar de novo”, avalia.

O terceiro aspecto da projeção internacionalista da Revolução Russa apontada por Carvalho é sua liderança, dentro do campo de países socialistas na Ásia e na Europa, dando grande contribuição para o desenvolvimento sócio-econômico do mundo. “A revolução ajudou a criar uma nova geopolítica internacional e carrega o DNA do Estado de Bem Estar Social”, enumera. Ele acrescenta ainda que a União Soviética influenciou o desenvolvimento e o fortalecimento dos partidos comunistas. “Sua derrota, no final dos anos 1980, começo dos anos 1990, representou mudança regressiva, de enormes proporções para a situação política. De maneira geral, as conquistas do Socialismo foram todas destruídas. Na ausência da União Soviética, o imperialismo e a burguesia internacional se sentiram livres, sem contenção ofensiva. No plano ideológico e organizativo, criou-se um grande vazio, com muitas lideranças e partidos bandeando para o outro lado, além de uma regressão econômica, geopolítica e ideológica que ainda fazem parte do atual momento político”, exemplifica.

Atualidades do mundo

José Reinaldo Carvalho considera que, aos poucos, a noção de unipolaridade estabelecendo uma hegemonia norte-americana está mudando. “Quase 30 anos depois da derrocada do Socialismo soviético, com a emergência de novos povos como a China, a recuperação da Rússia, os BRICS, as lutas na América Latina, por exemplo, novo panorama surge com novas forças que tentam conter a fúria imperialista. Estes povos e organizações insurgem com capacidade de questionar e se opor às investidas americanas”, considera.

O jornalista cita a resistência da Síria aos ataques dos Estados Unidos, com “heroísmo de seu povo, capacidade de seu governo, ajuda política, diplomática e militar”. Comenta ainda sobre o agravamento das contradições no campo imperialista, com a Cúpula do G7, realizada no Canadá, em grupo rachado, ao passo em que, na China acontecia a cúpula da Cooperação de Xangai, “com uma China unificada e o mundo capitalista desbaratado”.

No Oriente Médio, acrescenta, mesmo com o massacre do povo palestino, surge nova potência regional de grande importância. “O Irã tem realizado ação internacional e geopolítica positiva por contestar a dominação imperialista. Precisamos prestar atenção para o desenvolvimento destas contradições, pois será dela que vão surgir novos caminhos para a nossa luta em defesa do Socialismo”, ratifica.

Na América Latina, o alerta de José Reinaldo gira em torno dos perigos relativos às manobras militares conjuntas em território amazônico. “Em novembro passado, os Estados Unidos realizaram, pela primeira vez na região, ações de grande envergadura em nosso território. Precisamos estar atentos ao papel que o Brasil pretende jogar neste cenário ameaçador”, lamenta.

Estados Unidos x Coreia do Norte

Carvalho também comentou sobre o recente acordo anunciado envolvendo os “desafetos” Estados Unidos e Coreia do Norte que, por meses, fizeram ameaças mútuas de ataques. “Trata-se do mais complexo caso do mundo contemporâneo. Por ser herança da Guerra Fria e permanente foco de tensões, a República Democrática da Coreia, como eles gostam de ser chamados, tem total direito de se defender. A Coreia do Sul, por exemplo, mantém 20 mil soldados com armas apontadas para a vizinha do Norte, para a China e a Rússia. E eles têm sua maneira de se defender. Claro que não defendemos a arma atômica nem a proliferação nuclear, mas há legitimidade em sua defesa”, avalia.

O acordo anunciado surge como possibilidade de diálogo e provável desnuclearização. “E a mídia ataca Donald Trump pela única coisa correta que ele parece ter feito. Claro que sabemos que os Estados Unidos têm interesses para si e para mundo. Já Kim Jong-un revelou-se um jovem estadista, ridicularizado pela mídia, mas com grande capacidades estratégica, prática, diplomática, com educação e paciência. Nós saudamos seu posicionamento como um passo para a paz e o destensionamento da situação. Se o acordo levará a isso, só o tempo mostrará”, pondera José Reinaldo.

Bandeira do Socialismo em punho

Diante de todo este quadro internacional, o jornalista considera que as derrotas do Socialismo são temporárias. “Mas precisamos retomar a luta por ele no mundo e no Brasil. Vivemos situação desfavorável em que os Partido Comunistas deveriam adotar uma estratégia de grande amplitude. Não aceitaremos ser derrotados pelo inimigo poderoso que é o imperialismo, nem pelo sistema complexo que é o Capitalismo. Só uma mobilização ampla, a partir dos trabalhadores, pode desencadear uma nova revolução popular profunda e forte”, avalia.

O desafio para o PCdoB apontado por José Reinaldo Carvalho é combinar três fatores principais, que devem andar entrelaçados: as lutas democrática, nacional e social. “Assim poderemos abrir caminho para o Socialismo. Com um Partido forte e capacitado, termos condição de realizar o desenvolvimento da luta política”, finaliza.