Neymar + efeito Heisenberg = outro ovo da serpente chocado
Observe leitor a fotografia que abre essa postagem. Ela poderá explicar bastante o futuro que talvez esteja reservado para a Seleção brasileira nessa Copa.
Por Wilson Roberto Vieira Ferreira*
Publicado 26/06/2018 11:25

A imagem mostra Neymar Jr. correspondendo às câmeras em um flagrante do chamado “efeito Heisenberg” midiático – o jogador tenta criar algum tipo de empatia após desfilar, nos minutos anteriores ao achar que estava tudo perdido, arrogância e xingamentos que sobraram até mesmo para o próprio capitão do time, Thiago Silva.
O mesmo efeito Heisenberg (no qual a mídia transmite nada mais do que os próprios efeitos que ela cria ao cobrir eventos) que levou o Brasil às cordas frente à Alemanha em 2014 (choros, hinos a capela, etc.), agora leva sincronicamente o dublê de técnico e pastor motivacional Tite e o astro Neymar Jr. ao chão: um tropeço e logo depois o choro como marcas publicitárias. Assim como muitos outros ovos de serpente chocados nos anos de neodesenvolvimentismo dos governos petistas, Neymar Jr. é mais um. Com a leniência da grande mídia e do mercado publicitário.
Dói para esse humilde blogueiro, santista futebolisticamente e de nascimento, escrever essas mal traçadas linhas: Neymar Jr. é um subproduto perverso do neodesenvolvimentismo dos governos petistas – que confundia a inclusão de brasileiros na sociedade de consumo como a própria ideia de cidadania. E agora virou a “grande esperança branca” de uma seleção convertida em modelo de sucesso mérito-empreendedor pós-golpe através de jogadores que conheceram o sucesso financeiro na Europa.
A foto acima que ilustra essa postagem fala muito mais do que mil textos que tentem traduzir sociologicamente essa situação bizarra de um jogador considerado a última bala na agulha de uma seleção de futebol milionária.
Se outro jogador santista, Pelé, aos 17 anos após um golaço na final da Copa de 1958 contra a Suécia (chapéu num zagueiro, matou no peito e bateu de primeira no canto direito), caiu em choro copioso após o título mundial, agora Neymar Jr. desaba no gramado em prantos depois de fazer um gol sem goleiro contra o 25o colocado do ranking FIFA num jogo da fase de grupos da Copa.
Neymar Jr., jovem e promissor jogador da base do Santos revelado em 2009 cada vez mais se notabilizou por vídeos em redes sociais dando pitacos contra juízes, adversários e até contra o técnico, Dorival Junior, por certa vez tê-lo impedido de cobrar um pênalti em uma partida.

“Criando um monstro”
Na época, outro técnico, Renê Simões do Atlético de Goiás, chegou a falar que a mídia “estava criando um monstro”.
Na medida em que seu “sucesso” futebolístico (com grande complacência da grande mídia e do mercado publicitário) aumentava sua onipresença midiática, mais e mais o jogador revelava suas origens sócio-culturais: no funk ostentação da Baixada Santista/SP – ao lado da Grande São Paulo, berço da vertente brasileira reacionária do gênero musical: musicas sobre carros, motocicletas, bebidas, além de abordar as mulheres como um mero meio de alcançar ainda mais poder material. Bem diferente da vertente carioca que tematizava a criminalidade e a vida sofrida nos morros e periferias.
O personagem Neymar Jr. cresceu como modelo de sucesso (com direito a participação em novelas da Globo) para uma geração que via nas novas formas de consumo da egressa Classe C um canal para reconhecimento e afirmação em um País que parecia ser a bola da vez. E exibindo uma fortuna desperdiçada em carros , helicópteros, um iate para 60 pessoas e um jato particular. Riqueza ostentada sistematicamente por ele próprio e seus amigos e agregados privilegiados em redes sociais.
Hoje, Neymar Jr. é o seu próprio paroxismo: é também um subproduto do chamado “efeito Heinsenberg” (o mesmo que levou a Seleção às cordas no 7 X 1 contra a Alemanha em 2014) e que destrói o futebol brasileiro – efeito secundário produzido pelas coberturas midiáticas no qual a mídia passa a maior parte do tempo cobrindo o efeito que ela própria cria sobre os fatos: a cobertura dos esforços dos personagens transformarem-se a si mesmos em entretenimento para atrair a atenção das mídias – sobre esse conceito clique aqui.
“Neymarketing?”
Com a crescente dramaticidade do jogo contra a “poderosa” Costa Rica e, como era de se esperar, o descontrole emocional de um jogador que só parece mostrar seu talento em ambientes favoráveis de jogo, Neymar passou a xingar e desacatar o juiz, jogar a bola no chão em protesto e xingar ainda mais o adversário.
Mas ainda o pior: ofendeu o capitão do próprio time (Thiago Silva) após devolver a bola num gesto de fair play.
Após o apito final, Neymar Jr. desabou no gramado chorando e escondendo o rosto. “Neymarketing”? Uma estratégia para criar empatia com o distinto público? Afinal, quando ele achava que já estava tudo perdido, desfilou arrogância, destempero e palavrões. Enquadrado em close pelas câmeras da Fifa.
O jornalista Paulo Henrique Amorim carregou as tintas na Psicanálise para diagnosticar o chiliquento Neymar: se as lágrimas forem falsa é mau-caratismo. Se verdadeira, disse o jornalista, trata-se de um sujeito psicótico – clique aqui.
Mas talvez não seja necessário chegar a tanto. Neymar Jr. é o resultado do equívoco dos anos de neodesenvolvimentismo que chocou o ovo da serpente do novo riquismo mérito-empreendedor sem formação política ou noção de cidadania. Somado ao pós-moderno efeito Heisenberg midiático.
Muito mais do que o metrossexual Cristiano Ronaldo, que a todo momento olha o seu rendimento visual no telão do estádio, em Neymar há algo de muito mais insidioso: a leniência da grande mídia e dos brasileiros.

Efeito Heisenberg e tautismo
Para a grande mídia, Neymar cumpre o script perfeito – as mídia cobrem um personagem que se esforça em capturar a atenção das câmeras. Em última instância, a mídia cobre a si mesma, confirmando o seu tautismo (tautologia + autismo midiático) crônico.
Ao mesmo tempo, a seleção sofre nessa Copa as mesmas mazelas que a vitimaram na Copa anterior – com o circo midiático 24 horas em volta da Granja Comary, a concentração acabou se tornando na época um gigantesco estúdio a céu aberto com personagens que respondiam prontamente às câmeras e jornalistas: jogadores cantando o hino segurando a camisa de Neymar Jr., o apresentador global Luciano Huck interrompendo treinamento para realizar um sonho de um deficiente físico e fazer jogadores chorarem entre outros episódios.
Lá em 2014, a mídia criava a narrativa de um time que chorava antes das decisões, desorganizado, confrontado com a frieza e precisão organizacional germânica – lembrem-se da história de um software exclusivo usado pelo técnico da seleção alemã.
A Seleção era a metáfora de um País supostamente à beira do abismo, ingovernável, de uma Copa tida como corrupta que roubava verbas para a Saúde e Educação.

Leniência da opinião pública
Agora, é leniente com um jogador que, assim como Messi, CR7 entre outros, chegaram aos grandes clubes europeus através de transações obscuras que invariavelmente tentaram fugir dos impostos, sob o guarda-chuva de organizações ainda mais corruptas como Fifa e CBF – sem falar das também obscuras transações pelos direitos de transmissão exclusiva da Globo.
De membro de um grupo desorganizado e em crise (reflexo de um País sacudido por manifestações de rua diárias), retirado por uma oportuna contusão às vésperas do “mineiraço”, Neymar Jr. se torna nesse momento o símbolo do “agora vai ser diferente” e do “grupo que acreditou que pode vencer”, “que fez por merecer”, do “uma só torcida que muda o jogo”, como nos ensina a campanha do Banco Itaú, patrocinadora da Seleção.
Mercado publicitário e grande mídia fabricam a leniência da opinião pública à arrogância e grosseria novo riquista de Neymar Jr. E o jogador corresponde, atraindo as câmeras para tentar criar algum tipo de empatia publicitária.
As imagens repetidas até a exaustão das duas grandes estrelas do time indo ao chão como uma espécie de desabafo (o técnico pastor motivacional Tite tropeçando em si mesmo na comemoração do gol e o chorão Neymar Jr.) poderão ser proféticas: se o efeito Heisenberg sufocou a Seleção em 2014, agora em 2018 não está sendo diferente – lá a pátria calçava chuteiras para um golpe político dois anos depois; nesse momento, calça as chuteiras do wishiful thinking do mercado publicitário e da grande mídia.
Neymar Jr. é a tentativa do mercado publicitário e midiático criar algum tipo de ligação emotiva dos torcedores com um time “europeu” que passa grande parte do ano longe da realidade do entediante campeonato brasileiro.
Porém, o mais triste em toda essa história é saber que no Centro de Treinamento Meninos da Vila, do Santos F.C., está repleto de jovens que emulam as atitudes e hábitos do astro, ansiosos em trilhar os mesmos passos ao som de um funk ostentação.
*Wilson Roberto Vieira Ferreira é mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi, doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP, jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, organizado pelo Prof. Dr. Ciro Marcondes Filho e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.