Cuba: Constituição atende anseios e moderniza economia

Cuba se prepara para novos tempos. No último fim de semana, a Assembleia Nacional aprovou um novo projeto de Constituição, que reforma a Carta cubana de 1976. A nova Lei Maior do país ainda passará pelo crivo do povo, em consulta popular que será realizada de agosto a novembro, para incorporar demandas da sociedade. Posteriormente, o texto será objeto de um referendo e só então entrará em vigor.

Por Eduardo Maretti, da RBA

Cuba - Divulgação

“A Constituição de 1976 marcou de forma orgânica a vinculação de Cuba com o socialismo real, então em vigor na União Soviética e Leste europeu. O objetivo final era o comunismo, segundo a lógica do marxismo-leninismo”, lembra Luis Fernando Ayerbe, coordenador do Instituto de Estudos Econômicos e Internacionais da Universidade Estadual Paulista (Unesp).

No modelo que está agora legalmente virando passado, o socialismo era uma etapa da transição entre o capitalismo e o comunismo, no qual o Estado controla os meios de produção, o Partido Comunista é a única agremiação e todos trabalham de alguma forma para o Estado.

A nova Carta Magna cubana torna constitucionais as mudanças econômicas introduzidas principalmente por Raúl Castro, com estímulo para os cidadãos trabalharem por conta própria, à formação de microempresas, aceitação do capital estrangeiro e de formas de propriedade não estatais. “Com todas essas mudanças, uma nova Constituição passa a ser necessária para incorporar a realidade que já vigora em Cuba”, diz Ayerbe.

Uma modificação significativa trazida pela atual proposta é a retirada do comunismo como horizonte da revolução. O texto aprovado aponta para o socialismo como modelo guia. “O socialismo como etapa da transição entre o capitalismo e o comunismo fica aparentemente eliminado da nova Constituição. O socialismo em si seria o horizonte. Mas ainda não está claro que socialismo seria esse”, avalia Ayerbe.

Apesar do novo mandamento, o Partido Comunista como regente do Estado continua. O presidente do país terá um mandato de cinco anos, podendo ser reeleito pelo mesmo período. A mídia ocidental não poderá mais chamar o mandatário cubano de "ditador".

Embora a mídia brasileira esteja destacando o “adeus ao comunismo” e o reconhecimento do mercado e da propriedade privada como pontos principais, essa abordagem é parcial e limitada. Mas não só porque as cautelosas mas necessárias reformas econômicas introduzidas por Castro precisavam ser parte da lei. O texto constitucional em construção vai muito além de introduzir princípios capitalistas e suprimir o comunismo como objetivo final.

O projeto contempla anseios das gerações que nasceram depois da revolução. “Essa é uma questão importante, porque a geração anterior sempre viveu o antes e o depois da revolução, com os contrastes e as perspectivas relativos a esse marco”, observa o professor da Unesp. “Para as novas gerações, que não conheceram o que era Cuba antes, a ideia de transformação tem características diferentes.”

No texto aprovado, por exemplo, o casamento é definido como a “união entre duas pessoas”, e não mais entre homem e mulher. “Era algo impensável para a geração anterior”, observa Ayerbe. A discriminação contra homossexuais sempre foi um dos aspectos mais criticados da revolução cubana.

A ideia da propriedade e do mercado, acesso a um consumo diferenciado, à internet e aos meios de comunicação estão também entre as demandas das gerações mais jovens de Cuba, podendo-se incluir entre elas o novo presidente Miguel Díaz-Canel, que nasceu mais de um ano depois de os revolucionários derrubarem Fulgêncio Batista, em 1° de janeiro de 1959. Díaz-Canel assumiu em abril deste ano.

“Trata-se de uma geração que tem novas expectativas e necessidades, inclusive em termos de comportamento e sexualidade. A nova Constituição tenta sinalizar para essa perspectiva, que é também a de Díaz-Canel, embora ele seja um quadro do partido e esteja afinado com Raúl Castro”, diz Ayerbe.

O formato como as demandas da sociedade cubana serão parte da nova Constituição ainda está em aberto, já que o processo está em debate e a consolidação só se dará depois do referendo.

Simbolicamente, a filha de Raúl Castro, Mariela, deputada e diretora do Centro Nacional de Educação Sexual (Cenesex), tem sido voz importante dessas novas gerações, inclusive como uma das defensoras dos direitos LGBT. “Ela impulsionou essa questão no debate em Cuba”, lembra o professor da Unesp.

Em matéria da BBC há uma década, Mariela Castro reconhecia os erros da revolução quanto à questão LGBT. “Cometemos atos lamentáveis, que ficaram mais visíveis porque se esperava que uma revolução socialista não os cometesse. Agora, tanto a sociedade como o governo estão conscientes disso e querem evitar a sua repetição”, disse em 2008. Sobre o pai, afirmou à época: “Eu o via como machista e homofóbico. Mas à medida que cresci e me transformei como pessoa, também o vi mudar".