Juliana Diniz: As eleitas para lugar nenhum

"As mulheres, mesmo ausentes na disputa direta, nunca foram tão necessárias para o sucesso eleitoral: representam 52% do eleitorado brasileiro. Não se ganha uma eleição majoritária à revelia do público feminino”.

Por Juliana Diniz*

Mulheres

A notícia de que quatro coligações no Ceará, entre elas a do PSOL/PCB, não teriam atingido a cota mínima de 30% de candidaturas femininas exigida pela legislação eleitoral reacendeu o debate sobre representatividade de gênero na esfera política. Desde a sua criação, o PSOL apresenta, como marca característica de sua plataforma, a defesa da luta pelo reconhecimento de direitos e da participação de grupos minoritários, tendo sua base formada por uma sólida militância ligada aos movimentos sociais. Para o partido, que não teria atingido a cota mínima para o cargo de deputado federal no Ceará, a notificação do TSE representou um constrangimento público, como reconheceu em nota Moésio Mota, integrante da direção do PSOL/CE.

A escassez de mulheres interessadas em participar das disputas eleitorais não é um problema enfrentado exclusivamente pelo PSOL, embora seja mais sensível para um partido que propõe como projeto um modelo mais igualitário de política. Ailton Lopes, candidato ao governo, num arroubo de sinceridade, reconheceu que seu partido não está imune à influência do patriarcado. Seu esforço de autocrítica trouxe à tona uma realidade incontestável: ainda que engajado com a luta das mulheres, o PSOL tem uma identidade marcadamente masculina, alcançando a custo e com artifícios a cota mínima e revelando uma prática onde o protagonismo feminino ainda é uma utopia a ser alcançada.

O paradoxal desse panorama é o fato de que as mulheres, mesmo ausentes na disputa direta, nunca foram tão necessárias para o sucesso eleitoral: representam 52% do eleitorado brasileiro. Não se ganha uma eleição majoritária à revelia do público feminino. É irônico que a maior fragilidade de Bolsonaro, notório defensor de um discurso anti-igualitário e antifeminista, seja justamente a alta rejeição entre as mulheres: 43% das eleitoras, conforme pesquisa divulgada na última semana, não votariam no candidato de jeito nenhum, o que reduz consideravelmente suas chances de vitória.

Os partidos têm explorado uma aparente preocupação com a representatividade e a disposição para a mudança. Na disputa para presidência, tem-se a representação feminina em quase todas as chapas, à direita e à esquerda: Kátia Abreu é a vice de Ciro Gomes; Manuela D´Ávila, provável vice de Haddad; Marina Silva, cabeça de chapa pela REDE; Ana Amélia, vice de Alckmin; Suelene Balduíno, vice de Cabo Daciolo; Vera Lúcia, cabeça de chapa pelo PSTU e Sônia Guajajara, vice de Guilherme Boulos pelo PSOL, para mencionar as mais representativas. Ausência feminina registrada nas chapas de Jair Bolsonaro, Henrique Meirelles e João Amoêdo.

No âmbito estadual, o fenômeno é ainda mais evidente: as mulheres também foram contempladas na disputa para o governo. Emília Pessoa é a vice de general Theophilo; Izolda Cela, vice de Camilo pelo PT; Raquel Lima, vice de Ailton Lopes pelo PSOL e Ninon Tauchman, vice de Hélio Góis. É inegável: elas estão lá.

O desfile das candidatas poderia corroborar a tese de que as mulheres têm ganhado espaço na disputa, indicando tendência de mudança em direção à uma maior igualdade. A tese é tão atraente quanto falaciosa. Escolhidas como figurantes para atrair o eleitorado feminino, as mulheres, em sua maioria reservadas ao posto de vice, cumprem uma função estratégica: não precisam ter voz, é conveniente que apareçam pouco e à sombra do homem que lhes acompanha. Sua função é estampar o material de campanha.

Formalmente presentes, as mulheres escolhidas pelos homens para lhes ajudar a vencer estão predestinadas a um destino triste: eleger-se para ocupar lugar nenhum. Esse destino trágico pode explicar a razão para uma aparente indiferença. Enquanto o papel reservado à mulher for o da sombra, mesmo os partidos mais atentos à causa feminina como o PSOL encontrarão dificuldades em convencer mais mulheres a expor seu corpo à disputa.

*Juliana Diniz é doutora em Direito e professora da UFC.

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