Juliana Diniz: Democráticas, aguerridas e aciganadas

"Das janelas que dão para orla se verá uma procissão de mulheres ciganas, vindas de todo lado, armadas de símbolos para sepultar um falso mito: o de que são fracas e domesticáveis. Virão apressadas como se atravessassem o passado para chegar a um novo tempo. Que se faça prova do acontecido, porque é luminoso”.

Por Juliana Diniz*

Como certo feminismo mordeu a isca neoliberal

Neste sábado, acontecerão por inúmeras cidades do Brasil atos cívicos de repúdio feminino ao candidato à Presidência Jair Bolsonaro. Articuladas por mulheres de distintas orientações partidárias, as manifestações previstas para hoje são o principal resultado da mobilização que reuniu virtualmente milhões em torno da campanha #EleNão.

A força e o significado especial do momento se devem a uma conjunção única de fatores. Um dos candidatos com chances concretas de vitória é defensor de um discurso violento e desrespeitoso à luta por igualdade de gênero. A eleição provavelmente será decidida pelo eleitorado feminino, que representa mais de 52% do número de votantes. No Brasil e no mundo, mulheres têm experimentado o florescimento de uma consciência de poder e almejam o exercício do protagonismo político em novas bases: que o diga Jacinda Ardern, a premiê neozelandesa que nesta semana levou seu bebê de colo à Assembleia Geral da ONU. A reunião de cúpula a assistiu afagar seu filho de três meses enquanto esperava para discursar.

A capacidade de mobilização do grupo das mulheres unidas contra Bolsonaro desperta ódios e incômodos pela magnitude do seu potencial simbólico. Os atos ameaçam o êxito de uma candidatura numa batalha de princípios, não de plano de governo. Como corpo difuso, anônimas são as responsáveis por construir uma barricada democrática edificada na rejeição e na reação. Negam os princípios de um discurso autoritário, misógino e excludente, reagem pela afirmação de uma potência que é simultaneamente sua, como coletivo feminino, e da democracia. Exercem, com inteligência e admirável força, direitos que o sistema político lhes garante: o de reunião, de manifestação e a liberdade para se exprimir.

Este é um sábado extraordinário, e é preciso que o jornal anuncie. Das janelas que dão para orla se verá uma procissão de mulheres ciganas, vindas de todo lado, armadas de símbolos para sepultar um falso mito: o de que são fracas e domesticáveis. Virão apressadas como se atravessassem o passado para chegar a um novo tempo. Que se faça prova do acontecido, porque é luminoso. Milhares de mulheres na avenida, lutando num alvoroço de festa, e, nesta terra de coronéis e cangaço, não há homem que lhes passe a frente.


*Juliana Diniz é Doutora em Direito e professora da UFC.

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