Henrique Araújo: Uma armadilha para Sergio Moro

"À suspeita de que uma fração de suas decisões como juiz tinha motivação política, Moro oferece agora elementos concretos, fazendo da teoria um fato”.

Por Henrique Araújo*

Sergio Moro - Foto: Lula Marques / AGPT/Fotos Públicas

O juiz de primeira instância Sergio Moro caiu na tentação. Primeiro, ao dizer que consideraria a hipótese de aceitar convite para integrar o futuro governo de Jair Bolsonaro (PSL). Agora, mais uma vez, pela forte possibilidade de que pode de fato participar da equipe ministerial do pesselista.

Não há nada mais descabido. Moro não é qualquer magistrado. É o juiz-símbolo da Operação Lava Jato, força-tarefa cujos estragos políticos ajudaram a afastar uma presidente (Dilma Rousseff) e colocaram na prisão um ex-presidente (Lula), ambos do mesmo partido, o PT – adversário de Bolsonaro no segundo turno.

Mais que isso. Moro esteve no centro de pelo menos outros dois episódios que interferiram diretamente no roteiro da corrida eleitoral de 2018. A guerra de liminares em torno da soltura de Lula, quando o juiz interrompeu as férias para impedir que uma liminar colocasse o petista em liberdade. E a suspensão de parte da delação do ex-ministro Antonio Palocci.

Afora a prisão, trata-se de eventos controversos. Naquele domingo de batalha de liminares, em 8 de julho, Moro contrariou decisão de um desembargador a fim de garantir a permanência de Lula na carceragem. No caso da colaboração de Palocci, liberou o conteúdo a uma semana do primeiro turno das eleições.

Se nunca chegou a comprometer totalmente a condução dos casos investigados na Lava Jato, o juiz titular da 13ª Vara Federal de Curitiba corre sério risco de manchar a investigação ao aceitar qualquer cargo ofertado por Bolsonaro. Sobretudo se, no horizonte desse cálculo, houver a perspectiva de se tornar ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) após a vacância com a saída Celso de Mello.

À suspeita de que uma fração de suas decisões como juiz tinha motivação política, Moro oferece agora elementos concretos, fazendo da teoria um fato. Não é exagero afirmar que não haveria Lava Jato se não houvesse Sergio Moro. O que o flerte com Bolsonaro sugere é que talvez a atividade política sempre tenha existido como um dos combustíveis do magistrado no curso dos trabalhos.

Esse é, de longe, o maior equívoco de Moro à frente da operação. Se se pode dizer que, a despeito de escorregões, a condução da Lava Jato era de modo geral positiva, o mero fato de que Moro pondera convite e se sente honrado o coloca num patamar de suspeição.

Por muito tempo, o PT e outros partidos implicados nas escaramuças da Petrobras se esforçaram para desqualificar os atos de Sergio Moro, associando-o ora ao tucanato, ora a uma conspiração estrangeira.

Talvez não esperassem que o próprio juiz produzisse contra si mesmo o indício mais contundente de que, ao analisar processos, tem um olho na lei e outro na política. Para a trajetória pessoal de Moro, comandar um vitaminado Ministério da Justiça com plenos poderes num governo novo é certamente uma chance de ouro.

Para o legado da Lava Jato, todavia, esse pode ser um grande tiro no pé.


*Henrique Araújo é jornalista.

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